A SALVADORA DOS TAMANDUÁS- PARTE I .

 Com apenas 15 anos, a hoje veterinária Flávia Miranda, conheceu um Tamanduá-bandeira que defi-
niria o seu projeto de vida, para salvação da espécie.



“Desce dessa árvore menina!” Esta era uma frase comum na infância da veterinária Flávia Miranda, especializada em Xenarthras, a ordem que reúne um heterogêneo grupo de mamíferos existentes apenas no continente americano, como tamanduás, tatus e preguiças. Nascida em Curitiba, no Paraná, Flávia começou a estreitar o contato com a natureza quando se mudou para Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, com 5 anos de idade. Ali, onde foi criada junto aos animais, começavam as brincadeiras de criança, já sonhando em ser veterinária. Depois da escola e das tarefas, os dias eram ocupados pelas expedições em casa, sempre montando cabanas e fazendo suas observações de fauna e flora.


Aos 15 anos, aconteceu um fato marcante na vida de Flávia: ela foi morar em Aquidauana, no coração do Pantanal Mato-grossense (MS), estudando em tempo integral em um colégio agrícola. Lá teve contato direto com toda a fauna da região. Por estar interna, convivia diariamente com os animais selvagens no entorno do alojamento. Deles, o que chamava mais sua atenção era o tamanduá-bandeira carinhosamente chamado de Trombeta. Ao terminar as atividades do dia, Flávia sentava-se em frente ao quarto à espera do novo amigo. E todos os dias lá estava o bicho, andando lentamente com sua grande cauda pra lá e pra cá, à procura de formigas. “Foi amor à primeira vista”, conta Flávia. Ali nasceria uma relação duradoura da futura veterinária com os tamanduás, que vem gerando frutos para a conservação da espécie no Brasil e no mundo.


O tamanduá-bandeira é um dos maiores mamíferos da região do Pantanal, chegando a atingir 2 metros de comprimento e podendo pesar até 40 quilos. Atualmente, a espécie está ameaçada de extinção, segundo a lista brasileira divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente. O tamanduá-bandeira tem como habitat as florestas úmidas, cerrados, pantanais e as matas decíduas. No Brasil, pode ser encontrado desde a Amazônia até os campos da Região Sul do país. Nesta última, infelizmente, já se encontra praticamente extinto. Mas a espécie ainda é bastante encontrada nos campos de cerrado do Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, e no Parque Nacional das Emas, em Goiás.

“Trombeta andava um pouco e cavava em busca de formigas. Assim ele passava quase uma hora na mesma área”, recorda-se Flávia. Nessa época ela ainda não sabia que o tamanduá-bandeira não gosta de andar em grupos, vivendo como animal solitário a maior parte do tempo, com exceção dos breves encontros para reprodução.

Outro filhote de tamanduá
Foi observando o Trombeta que a futura pesquisadora passou grande parte do seus dias de colégio. Entre as observações diárias, Flávia também buscava informações técnicas sobre a espécie. “Gostava muito de saber o que as pessoas achavam do tamanduá. Os moradores do Pantanal foram os meus primeiros professores”, revela.

Os tamanduás-bandeira possuem uma conformação compacta, destacando-se a presença de um focinho longo e cônico que acomoda uma língua fina e muito comprida, que auxilia na captura dos alimentos ao envolver formigas e cupins em uma gosma que funciona como cola. Essas adaptações anatômicas surgiram ao longo da evolução da espécie em virtude da dieta dos tamanduás, constituída, basicamente de formigas e cupins, animais invertebrados. Em vez de dentes, a espécie desenvolveu unhas capazes de romper a dura crosta protetora dos cupinzeiros. Dentre as formigas, as preferidas dos tamanduás são a formiga-de-fogo, a formiga-carpinteira, a formiga-de-embaúba e as formigas-de-estalo.

No segundo ano de Flávia no colégio, Trombeta não apareceu mais. O animal foi encontrado morto, vítima de atropelamento em uma rodovia próxima. O fato levou a estudante a buscar os motivos para o acontecido. A jovem percebeu rapidamente que a ocupação de extensas áreas do Brasil com atividades agropecuárias certamente se dava em detrimento da perda de habitats das espécies nativas. Além da perda de espaço, os incêndios e os atropelamentos também contribuíam para o declínio populacional constante nas populações de animais selvagens.

No caso do tamanduá-bandeira, que apresenta baixa taxa de crescimento populacional, uma vez que a espécie possui baixo potencial reprodutivo, apresentando cuidado parental prolongado e seis meses de gestação, o papel representado pelas ameaças humanas, como os atropelamentos, pode ser de grande relevância para a conservação dessa espécie na natureza.

Quando entrou na Faculdade de Veterinária, a dedicação de Flávia foi intensa, com muito interesse pelos materiais relacionados aos tamanduás. Foi ali que conheceu Neide, professora que confirmaria nela o interesse pelos animais silvestres, propiciando o seu primeiro estágio, no zoológico de Bauru, responsável por cuidar de um filhote de tamanduá-mirim.

Para ela, a alegria em rever a espécie foi imensa. Inconscientemente, Flávia já sabia lidar com o animal por causa dos anos de observação no colégio agrícola, o que surpreendeu a muitos técnicos e tratadores que trabalhavam há anos com a espécie. Naquele zoológico de Bauru surgiria mais uma incentivadora ao trabalho de Flávia: a veterinária Mila, que enxergou o potencial daquela jovem estudante. “Ela sempre teve muita disposição para dividir comigo todo o conhecimento sobre a espécie e também em mostrar as ameaças que as populações vinham enfrentando”, conta Flávia. Mais familiarizada com os desafios que envolviam a preservação dos tamanduás, Flávia arregaçou as mangas, decidida a retomar o relacionamento nascido com Trombeta.

Flávia trabalhou duro para aprofundar os conhecimentos sobre todas as espécies de tamanduá, além dos estudos com seus parentes, os tatus e as preguiças. Ela aproveitou seu trabalho de conclusão de curso para desenvolver uma monografia sobre o tamanduá-mirim. A espécie, menor que o tamanduá-bandeira, é encontrada a leste dos Andes, na Colômbia, Venezuela e também nas Guianas, Uruguai e Argentina. No Brasil, pode ser encontrado em praticamente todos os estados. Possui cor amarelada e pelos simulando um colete negro. Por isso, o tamanduá-mirim é comumente chamado de tamanduá de colete. Esta espécie não se encontra na lista de animais ameaçados de extinção, mas poucos estudos têm sido realizados no Brasil sobre ela.

Depois de formada, Flávia mudou-se para Recife (PE), cidade onde teve o primeiro contato com o tamanduaí (Cyclopes didactylus). A espécie, menor entre os tamanduás, tem distribuição original que abrange as florestas tropicais de centro e sul das Américas. Porém, características como a baixa taxa metabólica, baixa temperatura corporal (em torno de 33 graus) e baixa capacidade termorregulatória limitam a ocorrência da espécie às regiões com menos de 1.500 metros de altitude. Assim, a Cordilheira dos Andes se constitui uma barreira intransponível entre as populações de tamanduaís. No Brasil existem registros esporádicos da espécie no Nordeste. Esse contingente encontra-se isolado da população amazônica por uma faixa de caatinga que separa a floresta atlântica da floresta amazônica.

Por conta das dificuldades de captura e observação, o tamanduaí é o menos estudado dos tamanduás. Flávia e sua equipe são os únicos pesquisadores no mundo a estudar a espécie em vida livre, tornando-se referência para todos que buscam informações sobre o enigmático animal. 

                                              www.ecocitycyro.com.br 

Comentários

  1. Quando uma pessoa nasce com um objetivo e luta por ele,
    tem grande chance de transformar o mundo. É o caso dessa
    veterinária que dedicou sua vida a uma causa.

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