BELAS PRAIAS,PRAZER E BEM-ESTAR-SÓ COM PROTEÇÃO AMBIENTAL.

O território brasileiro comporta 8 mil kilômetros de costa, uma das maiores do planeta, o maior desafio no entanto, é compatibilizar à preservação das praias com o fluxo de pessoas que frequen-
tam esse belo espaço de convivência.


                                                       
                                               

Existe um trecho do litoral entre São Paulo e Rio de Janeiro, as duas maiores e mais agitadas metrópoles do País, no qual a paz é possível – e a natureza, exuberante. No lugar, de acesso apenas por barco ou longas caminhadas em trilhas, os caiçaras ainda vivem como nos tempos dos avós. Não há loteamentos de veraneio, grandes hotéis ou ônibus de turismo. As praias do Sono, Antiguinhos e Galheiras, localizadas no município de Parati (RJ), preservam uma beleza virgem, emoldurada pela Mata Atlântica. Fazem parte da Reserva Ecológica de Joatinga e da Área de Proteção Ambiental de Cairuçu. Ali, a paisagem resiste bravamente à expansão urbana da zona costeira e à invasão dos que se interessam apenas em lucrar com a beleza das praias brasileiras.

É algo raro, quando se sabe que apenas 0,4% da faixa litorânea do País, incluindo o mar territorial, é coberta por parques nacionais, reservas ecológicas ou outras áreas protegidas. “Estamos muito longe do ideal”, lamenta Ana Paula Prates, coordenadora do Núcleo de Zona Costeira do Ministério do Meio Ambiente. A meta, ratificada pelo Conselho Nacional de Biodiversidade, é alcançar 10% de áreas protegidas na costa até 2015.
Mas até praias situadas no entorno e dentro de parques nacionais sofrem ameaças, como ocorre em Jericoacoara, no Ceará. Paraíso dos praticantes de windsurfe e de quem busca sossego longe dos centros urbanos, a praia de Jeri compõe um cenário de dunas e lagoas cristalinas. Por opção dos moradores, as ruas são de areia e não há iluminação pública – apenas dentro das casas. É um cenário que se modifica ao longo dos anos, após Jeri entrar na lista das praias mais bonitas do mundo e perder parte da tranqüilidade. Hotéis, bares e restaurantes se multiplicam para receber um número cada vez maior de visitantes (algo como 100 mil por ano).

Como resultado, a população do município de Jijoca de Jericoacoara, onde a praia está localizada, cresceu 609% nos últimos cinco anos. “Precisamos colocar ordem na casa”, diz Ricardo Magalhães, procurador da República no Ceará que ordenou o levantamento das construções irregulares do local, estimadas em mais de 300, muitas delas situadas sobre dunas e em condições de risco. Criado em 2002, o Parque Nacional de Jericoacoara só agora começa a receber cuidados, após a aprovação do plano de manejo com regras de ocupação e uso.

Ao longo dos 8 mil quilômetros do litoral, problemas como os de Jericoacoara se repetem em maior ou menor grau. As praias bem conservadas são muitas vezes o maior tesouro de lugares pobres e esquecidos que se abrem ao turismo, atraídos pela perspectiva de mais emprego e renda. No entanto, sem leis de uso e ocupação do solo, o tesouro se dilapida e se degrada. Deixa de ser fonte de sustento das comunidades. Casos de devastação dos manguezais, despejo de lixo e esgoto no ambiente e de erosão provocada por construções irregulares são comuns. E trazem um desafio para quem deseja aproveitar o verão sem deixar um rastro de destruição nos paraísos costeiros do País.

Impasses dos paraísos
foto: Peter Milko/HG
A paisagem de Jericoacoara (CE) resiste à invasão de turistas. Mesmo assim, o local ainda parece uma aldeia de pescadores


Desde a chegada dos colonizadores, a história se repete. No litoral, foram construídos cidades e portos, derrubadas florestas e abertas estradas. As áreas banhadas pelo mar se tornaram pólos da economia nacional e geraram os primeiros problemas ambientais. A riqueza econômica e o aumento da população levaram à ocupação de lugares antes inacessíveis. No rastro, vieram os especuladores que espantaram caiçaras ou pescadores. Novos ocupantes criaram opções econômicas, abriram hotéis, condomínios, loteamentos, lojas e restaurantes. O turismo se tornou a força que mantém a economia de várias regiões litorâneas e leva hoje 50 milhões de brasileiros e estrangeiros por ano a se movimentar por todo o País. Mas a que preço?

“É preciso medir e evitar os impactos desse enorme número de visitantes que chegam de uma hora para outra em lugares despreparados”, afirma Camila Rodrigues, do Departamento de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente, lembrando que os serviços de infra-estrutura, como esgoto, distribuição de água e coleta de lixo quase nunca acompanham o ritmo explosivo de expansão do turismo. “Promessas de mais empregos e alternativas para localidades antes excluídas da economia podem ser uma armadilha.”

Camila enumera casos que preocupam. Quem já ouviu falar da pequena Belmonte, localidade de 18 mil moradores na Costa do Descobrimento, sul da Bahia? O pacato vilarejo, hoje apenas um ponto no mapa, está prestes a perder a paz e o anonimato. Cadeias hoteleiras da Espanha, Inglaterra, Suíça e França programam construir ali cinco resortes com 1.130 quartos, ao custo de R$ 340 milhões, ou 28 vezes o orçamento anual do município.

Qual o impacto sobre o lugarejo, que hoje tem apenas 180 quartos de pousada e vive basicamente do cultivo de cacau, pimenta-do-reino e maracujá? Ninguém sabe ao certo, mas o exemplo do município de Mata de São João, no litoral norte baiano, mostra que é preciso ter cautela. Situada a 100 km de Salvador, a cidade vivia da pesca e da pequena agricultura. No início dos anos 80, o município ganhou o primeiro resorte. E não parou mais de crescer. Hoje, o Brasil inteiro conhece a disputada Praia do Forte e suas atrações.

Para completar, a abertura da rodovia BA-099, a Linha Verde, escancarou, na década de 90, as praias vizinhas ao acesso dos visitantes e deu oportunidade para a construção de novos investimentos hoteleiros, como o complexo Costa do Sauípe, a 25 quilômetros da Praia do Forte. Uma megaestrutura de grandes hotéis e campos de golfe claramente deixaram suas marcas no cotidiano e na cultura dos 34 mil habitantes de Mata de São João.

Algumas marcas foram favoráveis – parte da população ganhou cursos de qualificação profissional para garçons e camareiras, aulas de inglês e informática. Trocou a pequena lavoura ou a pesca artesanal pelo trabalho com turismo. Outras nem tanto – parcela importante de trabalhadores que migraram de outras regiões em busca de emprego ficou desocupada depois que as obras terminaram. Bolsões de miséria se formaram ao redor da cidade, gerando violência e degradação ambiental. Apesar do luxo e do requinte dos hotéis instalados no município, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede a qualidade de vida, permanece muito baixo em Mata de São João. A cidade ocupa o 58º lugar no ranking dos municípios baianos. Pelo menos 14,9% da população é analfabeta.

Movimento sustentável

“O excesso de visitantes pode dar origem ao caos e ao desequilíbrio social e gerar impactos ambientais de toda ordem: do aumento do lixo à extinção da fauna”, frisa Cássio Oliveira, do Instituto de Hospitalidade. A instituição, sediada em Salvador, atua em projetos para harmonizar a convivência entre turismo, cultura e meio ambiente no País. A idéia é instaurar práticas mais responsáveis de viagem – um movimento que envolve de grandes hotéis a mochileiros que se hospedam em campings. Com esse objetivo, para ajudar na boa escolha dos consumidores, o Programa de Certificação em Turismo Sustentável (www.pcts.org.br) confere um selo de qualidade a profissionais e hotéis que seguem regras ecológicas e adotam reciclagem de lixo e sistemas para economizar água e captar energia solar, por exemplo.

“São medidas que podem significar a sobrevivência das atrações que encantam os visitantes e do próprio negócio”, afirma Oliveira. E dá um exemplo: atualmente, a atenção do instituto se volta para o município pernambucano de Cabo de Santo Agostinho, onde começou a ser construído um novo complexo hoteleiro à beira-mar, planejado para ser o maior do País. Nesse caso, tudo começou a ser pensado antes do primeiro tijolo. Especialistas fizeram um amplo diagnóstico ambiental e social para não repetir erros anteriores. “Estão previstos cuidados para captar água e tratar esgoto sem prejudicar ecossistemas costeiros”, informa Oliveira.

Às vezes, é preciso correr atrás do prejuízo. É o que está acontecendo a 40 km de Cabo, na famosa Porto de Galinhas. Reunidos em associação, os jangadeiros resolveram fechar para os banhistas uma área dos recifes de corais que abriga espécies marinhas e forma piscinas naturais de águas rasas e quentes. O plano é promover a recuperação natural desses ambientes já muito castigados e garantir o sustento das famílias no futuro.

O lugar é alvo de campanhas educativas, que funcionam também na praia de Maragogi, no litoral norte do vizinho Estado de Alagoas. Nesse município, é urgente proteger os bancos de corais, distantes 6 km mar adentro. Eles chegam a receber por dia mais de mil pessoas, levadas por barcos de ex-pescadores de lagosta que perderam seu sustento com o sumiço do crustáceo do litoral.

Prédios, casas e hotéis erguidos na faixa de areia das praias, além de calçadões, diques e obras portuárias, podem interferir no movimento natural dos sedimentos transportados pelo mar. Em conseqüência, as ondas avançam sem resistência e provocam a erosão da orla. “É um problema sério que atinge 40% do litoral brasileiro”, calcula João Luiz Nicolodi, do setor de gerenciamento costeiro do Ministério do Meio Ambiente. Em 80% dos casos, o problema, que pode ter causas naturais, é provocado pela ação do homem. “Não é mais possível tratarmos o ambiente frágil da zona costeira como se fosse um playground”, adverte.

O custo dos impactos
foto: Peter Milko/HG
Ao longo da costa brasileira condomínios se instalaram nas encostas antes cobertas por Mata Atlântica, como ocorreu na década de 1980, em Ubatuba (SP)


“Na hora de construir, é preciso respeitar uma distância mínima de 50 metros em relação ao mar nas cidades e de 200 metros nas zonas não urbanizadas”, afirma o geógrafo Dieter Muehe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ventos, força e direção das ondas, relevo e clima devem ser levados em conta para evitar a erosão costeira. “Atualmente, muitos lugares têm a paisagem totalmente desfigurada”, avalia.
Em Recife, por exemplo, a ampliação do porto bloqueou a areia que era normalmente levada pelas correntes marinhas para as praias vizinhas. A orla da cidade de Olinda, com menor quantidade de sedimentos, foi “engolida” pelo mar. Na praia de Boa Viagem, também na capital pernambucana, a prefeitura precisou proteger o calçadão com grandes pedregulhos.

Os prejuízos se multiplicam nas praias de norte a sul do País. Em Sergipe, o povoado da Vila do Cabeço, na foz do rio São Francisco, hoje está debaixo d’água, após uma luta de décadas contra o avanço do mar. O farol, que antes orientava os navegadores, está praticamente submerso. Isso ocorreu porque as barragens das hidrelétricas do Velho Chico bloquearam os sedimentos carregados pelo rio até a foz. Sem essa proteção, o mar avança sem piedade. No outro extremo do litoral, no Rio Grande do Sul, o Farol da Conceição, no município de São José do Norte, teve o mesmo destino. E no município fluminense de Maricá, calcula-se em R$3,3 milhões o prejuízo causado pela erosão.

A solução, nesses casos, é drástica: recompor a praia, retirando areia do fundo do mar. É uma operação de alto custo, como a que foi realizada, na década de 60, para aterrar e dar uma nova feição urbana à praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Da mesma forma, em Santa Catarina, mais de 2 km da praia de Piçarras, objeto dos impactos da especulação imobiliária, tiveram de ser reconstruídos com gastos de R$ 3,2 milhões.
“É muito melhor prevenir”, afirma Márcia Oliveira, da Secretaria de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente. Ela conta que, em tempos de aquecimento global, a erosão costeira pode ser ainda mais severa. Estima-se uma elevação do nível dos oceanos de 40 centímetros a um metro nos próximos 100 anos. “É preciso levar em conta esse fator na hora de construir grandes obras à beira-mar”, afirma Márcia, que mobiliza municípios para a adoção de novas políticas de ocupação do litoral, dentro do Projeto Orla, do governo federal. “As cidades costeiras estão despreparadas para os efeitos das mudanças climáticas.”

Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) comprova que a maior parte das cidades brasileiras, com mais de 20 mil habitantes, cresce sem planejamento adequado, ou seja, sete em cada dez municípios não têm um plano diretor com regras para a ocupação urbana, obrigatório por lei. Entre outras coisas, o descuido implica em poluição. Somente nas praias do Rio de Janeiro são coletadas no verão 3 mil toneladas mensais de lixo, volume suficiente para encher 200 caminhões. O problema existe em toda a costa. “Parte desses resíduos é levada para o mar pelos rios que banham cidades do interior”, explica a bióloga Eduinetty Ceci de Sousa, do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo.

Nas últimas férias, a pesquisadora buscou refúgio na praia da Lagoa da Anta, em Alagoas, e sentiu na própria pele o resultado de seus estudos. Em meio à paisagem exuberante da praia, sacolas de plástico se enroscaram em suas pernas no banho de mar. Decepcionada, ela só vê uma saída: “Se cada um fizer a sua parte, a degradação do litoral pode ser revertida”. 

                                                                            

Comentários

  1. A Campanha ¨Praia Limpa¨ por todo Brasil, conta com a
    colaboração da população. Vamos preservar nossas praias.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Nossa intenção é proporcionar aos leitores, uma experiência atualizada sobre os fatos globais que possam ser discutidos
e possam provocar reflexões sobre o modelo de sustentabilidade
que desejamos adotar para garantir agora e no futuro a qualidade
de vida para todas as espécies da Terra.