A CASTANHA-DO-PARÀ PODE SER DECISIVA PARA A PRESERVAÇÃO DA AMAZÔNIA.

Extraída de maneira sustentável, a Castanha-do-Pará também conhecida como Castanha-do-Brasil, é
uma das riquezas da região Amazônica.

                                                       
 O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de frutas. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), só perde para China e Índia. Entre as frutas que estão no topo do ranking das mais produzidas no país encontram-se, obviamente, a laranja e a banana. Está também, vejam só, a castanha-do-brasil, também conhecida como castanha-do-pará ou da-amazônia, justamente o que nos interessa aqui.


Alta, imponente, impressionante, a castanheira é daquelas árvores que quem vê não esquece jamais. Até porque ela não se mistura. No Acre, por exemplo, a média é de uma castanheira por hectare. Nos estados de Mato Grosso, Pará, Amazonas e Amapá há, no máximo, dez árvores por hectare. E isso no meio da mata – o que se vê, ao longe, é a copa, pairando acima da floresta como quem domina o ambiente. 

Considerada vulnerável pela União Mundial para a Natureza (IUCN), no Brasil, a castanheira é protegida por lei, por causa da importância socioeconômica de seus frutos para as comunidades tradicionais da Amazônia e por seu papel na manutenção da floresta em pé. Hoje não se pode derrubar castanhais para a construção de estradas e barragens, para assentamentos de reforma agrária ou para a criação de gado. Além disso, uma portaria interministerial de promoção de produtos de biodiversidade estabelece a castanha-do-brasil como a primeira a ser beneficiada por programas de promoção de técnicas de manejo, formação de técnicos para multiplicação de boas práticas, inclusão na merenda escolar local, entre outros. 

Na floresta, a enorme castanheira faz sombra para outras espécies. Quando, por alguma razão (um temporal, por exemplo), ela cai, abre uma ampla clareira – e nesse espaço outras espécies podem se multiplicar. “A castanheira favorece a dinâmica da floresta e contribui de forma decisiva para a manutenção da diversidade da fauna e da flora amazônicas”, explica Lúcia Wadt, pesquisadora da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) que trabalha com manejo dos castanhais no Acre. 

Após a decadência da borracha, a cas­tanha-do-brasil passou a constituir o principal produto extrativo para exportação da Região Norte. Sua exploração comercial começou há 150 anos. As comunidades tradicionais, em geral compostas por famílias e agregados, têm na cata do ouriço de castanha uma fonte de renda paralela a outras atividades, como a agricultura de subsistência e a pesca. Na Amazônia, cerca de 200 mil famílias vivem do extrativismo. Formam comunidades que cultivam mandioca, feijão e milho, têm lá suas galinhas, mas complementam sua renda com produtos florestais. O principal e mais valorizado deles, atualmente, é a castanha-do-brasil. Assim, uma vez ao ano, os grupos coletores deixam suas casas, embrenham-se por trilhas na mata e amontoam os ouriços que caem das castanheiras. Ficam nesse trabalho por mais ou menos um mês, quando retornam, não sem antes quebrar os ouriços e retirar as castanhas, que carregam em sacos às costas. 


O risco do desmatamento
Normalmente é possível recolher de 5 a 10 quilos de castanhas por hectare percorrido a pé no Acre. Já no Amapá, a colheita média é de 100 quilos de castanha por hectare. Conforme fazem sua caminhada de retorno, os extrativistas têm por tradição plantar algumas sementes para as gerações futuras. O fato é que, colhendo muito ou pouco, os castanheiros sempre encontram comprador para seu produto muito próximo de suas casas, pois a demanda pelo fruto é alta – especialmente para exportação. “Não há dúvida de que a extração da castanha-do-brasil é essencial para o homem da região, e que é sustentável”, afirma Wadt.

Existe, entre os envolvidos na questão, uma preocupação em torno dos impactos das alterações no atual Código Florestal em debate no Congresso Nacional – que, entre outras coisas, propõe reduções significativas nas Áreas de Preservação Permanentes (APP) e anistia a desmatamentos feitos até 2008. “As mudanças poderão levar ao desaparecimento de espécies de abelhas responsáveis pela polinização, o que seria um desastre para inúmeras culturas, entre elas a da castanha-do-pará”, explica Vera Fonseca, professora do Instituto de Biologia da USP. Outros animais, como as cutias e os macacos, poderão ser afetados. 

A Embrapa tem um projeto que monitora a produção e a regeneração de castanhais. Se as flores dependem de abelhas e pássaros para a polinização, já se sabe, também, que as sementes de castanha não brotam facilmente. Como vêm dentro de um ouriço duro, dependem de animais que quebrem essa casca e as levem para um local propício. Esse trabalho é feito, por exemplo, por macacos e cutias. Daí uma descoberta no mínimo curiosa: em roças abandonadas, onde a terra já recebeu tratamento, brotam naturalmente mudas de castanha, provavelmente enterradas e esquecidas por animais. A revisão do Código Florestal poria em risco a sustentabilidade da Floresta Amazônica e de um dos seus principais frutos, a castanha-do-brasil.

Há outros problemas nesse cipoal. “O trabalho é árduo, feito em condições muito duras”, conta Décio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo e conselheiro da Fundação Orsa, uma das instituições que têm apoiado a organização das comunidades tradicionais de castanheiros. “Um dos grandes desafios da Amazônia é garantir condições para que as comunidades possam viver da floresta, agregando valor aos seus produtos e melhorando sua qualidade de vida”, completa Adriana Ramos, do Fórum Amazônia Sustentável, outra instituição que atua na área.

Também o WWF-Brasil mantém, desde 2001, o Projeto Castanha, associado ao Instituto de Educação do Brasil e ao Imazon, depois de um levantamento feito pelas duas organizações que revelou a fragilidade nos processos de licenciamento do manejo florestal, a indefinição fundiária e a falta de assessoria técnica qualificada e adaptada à atividade. O projeto oferece aos castanheiros treinamento em práticas de colheita, armazenamento, secagem e transporte das castanhas, além de informações sobre a produção certificada. O objetivo é aumentar a renda de comunidades que se dedicam à exploração sustentável da castanha. 
Um esforço paralelo está sendo desenvolvido pela Embrapa: a produção de mudas para o plantio de castanhais. A empresa estatal pesquisa maneiras de implantar o cultivo de castanha-do-brasil, não só para a reposição das árvores que foram derrubadas pelo ho­mem ao longo dos anos, mas, também, para criar uma alternativa de exploração da terra para fazendeiros. Como a amêndoa da castanha tem grande valor econômico, é de se supor que o investimento, mesmo sendo de longo prazo, seja bem aceito.


Um cultivo experimental
Há 24 anos existe em Rondônia, na cidade de Machadinho do Oeste, um campo experimental de cultivo de castanheiras. Nele, há árvores que dão frutos aos 14 anos de idade. “Não é um tempo tão longo, se considerarmos que o eucalipto, por exemplo, leva 7 anos para estar pronto para o corte e dar retorno ao investidor; e que a castanha permanece em pé, dando frutos por muitas gerações”, pondera Marília Locatelli, uma gaúcha que se mudou para Rondônia há 26 anos, mestre em silvicultura, doutora em ciência do solo e pesquisadora da Embrapa em Machadinho. Dentre as descobertas feitas pela cientista estão a de que é possível obter germinação de 70% das sementes se elas forem plantadas sem tegumento (pele) e que a castanheira deve ser plantada no início da temporada de chuvas, em covas profundas. As plantas cultivadas nessa experiência capitaneada pela Embrapa iniciam a fase produtiva em torno de 8 a 11 anos e aos 14 atingem a produção normal. 

Para Marília Locatelli, embora sejam raros, há exemplos que merecem ser ressaltados, por demonstrarem a viabilidade do investimento em castanhas no país. Foi ela quem nos apresentou ao dono da fazenda Dom Aro.


A vida entre os castanhais

É janeiro, época de safra da castanha. Maria Jorge Tavares sai da cidade de Laranjal do Jari (PA) e embrenha-se na mata, sem data para retorno. Vai com o marido, os seis filhos e cinco trabalhadores contratados pela família, levando mantimentos para os próximos dois meses. A expectativa é que, na volta, consigam trazer muitos quilos de castanha, carregados em grandes latas nas costas. “Senhora Jorge”, como é conhecida, lamenta-se por conseguir, aos 57 anos de idade, carregar “apenas” três latas por vez, o que corresponde a cerca de 30 quilos. “Os homens carregam seis de uma vez só”, diz. Este ano ela está feliz – depois de dois anos ruins, os castanhais finalmente estavam carregados e, melhor ainda, o preço do produto está nas alturas. Se, em 2010, seis latas de castanhas eram vendidas por cerca de
R$ 40, em 2011 o preço subiu para R$ 150. “Eu nasci no castanhal e nunca vi o preço tão alto”, conta Maria, sem entender direito a razão do aumento.

Luis Fernando Laranja da Fonseca, um dos fundadores da empresa Ouro Verde Amazônia, especializada no beneficiamento e comercialização de castanhas, acredita que a valorização do produto está relacionada, principalmente, ao mercado interno. “Castanha é um produto caro, mas quando a classe C começou a ter recursos, a procura foi enorme. Hoje não temos castanhas suficientes para atender ao mercado, o que aumenta o preço”, explica. 

Desde sua fundação, em 2002, a Ouro Verde desenvolveu produtos como azeite de castanha extravirgem e foi preciso elevar o padrão de qualidade das castanhas que entravam na linha de produção. Para isso, forneceu capacitação para castanheiros, em sua maioria índios e moradores ribeirinhos da Amazônia, e apoio para a construção de galpões de armazenamento. “Como eles passaram a nos vender castanhas mais bem selecionadas e armazenadas, pudemos pagar mais pelo produto”, conta Laranja. Cerca de 300 famílias vendem para a empresa hoje, por preços acima da média, mas muitas outras também têm conseguido alternativas para valorizar seu árduo trabalho na floresta. 

A palavra de ordem é organização e isso se traduz, principalmente, em cooperativismo. Um dos bons exemplos é a Cooperacre (Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre), que agrega 1.800 famílias. “A grande vantagem é que com a cooperativa conseguimos garantir o preço justo. Antes, cada um vendia pelo preço que conseguia”, avalia Manoel Monteiro, superintendente da Cooperacre. 

Histórias como as da Ouro Verde e da Cooperacre são um alento no contexto repleto de dificuldades no qual vivem os castanheiros. “Essas boas iniciativas são pontuais. O que ainda predomina, infelizmente, são condições de vida miseráveis. Se fotos de algumas cenas do que já presenciei nos castanhais da Amazônia chegassem à imprensa internacional, diriam que é trabalho escravo”, lamenta Décio Zylberstajn, da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo e conselheiro da Fundação Orsa. Além de lidar com as dificuldades oriundas do trabalho, eles ainda precisam encarar as relacionadas, por exemplo, com a posse das terras. Legalmente, as comunidades extrativistas devem ter acesso às árvores que lhes dão sustento, independentemente se estão em terras públicas ou propriedades particulares. Na prática, porém, o conflito parece insolúvel. Mas Laranja, da Ouro Verde Amazônia, é otimista e diz que, apesar de ser difícil dizer estatisticamente, a maioria das comunidades amazônicas está se organizando e melhorando de vida. “Já vi, por exemplo, comunidades comprando quadriciclos para coletar castanha e, assim, não precisarem carregar o peso nas costas”, exemplifica. 
(por Natália Martino)


O milagre do selênio
Fundamental para uma vida longa e saudável, o selênio, abundante na castanha, combate o envelhecimento celular, mantém mais ativo o sistema imunológico e protege as células do sistema nervoso de doenças neurodegenerativas como mal de Parkinson e Alzheimer. Como se não bastasse, ajuda a tireoide na síntese de seus hormônios e está associado à capacidade do organismo de eliminar metais pesados.
O consumo de uma castanha-do-brasil (cerca de 5 gramas) tem a mesma quantidade de selênio encontrado em:
• 3 filés de frango (100 g cada); 
• 16 pães franceses (50 g cada); 
• 26 camarões (20 g cada); 
• 2 latas de sardinha em conserva (130 g cada); 
• 10 ostras (33 g cada); 
• 5 litros de leite (200 ml por copo)

               
                                                                                      

Comentários

  1. Atualmente, a extração de castanhas é a principal atividade
    extrativista da região Norte. As Castanheiras são protegidas por lei e não podem ser derrubadas.

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