A RETIRADA DAS BARBATANAS DOS TUBARÕES, PODE EXTERMINAR AS FERAS DO MAR.

Os tubarões estão ameaçados de extinção, a crueldade da prática do finning- retirada das barbatanas e
jogar de volta ao mar o animal ameaça cada vez mais as populações desses peixes.


                                                       
                                                   



O olhar frio e inquietante, os dentes pontiagudos, o enorme corpo e a velocidade com que se movimenta não deixam dúvidas: estamos diante de um assassino nato. Um caçador implacável que reina absoluto na imensidão dos oceanos. E, diz a lenda, uma eterna ameaça aos nossos semelhantes. O diretor Steven Spielberg soube muito bem captar o “carisma” desse animal quando dirigiu o filme Jaws (Tubarão) em 1975, obtendo um êxito de quase meio bilhão de dólares. E selou a fama de monstro que não pode ser considerada justa, mas que tem prevalecido. Há até pessoas que sofrem de fobia de tubarão – conhecida como selacofobia – e, por isso, se recusam a entrar no mar. Sem dúvida, eles são predadores sofisticados, mas não evoluíram alimentando-se de animais terrestres como o homem. 


A verdade é que o ser humano é que ameaça a existência dos tubarões. Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN na sigla em inglês), algumas espécies desse animal sofreram, desde 1986, redução acima de 65% em sua população. Oficialmente, 17% das 1.044 espécies de tubarão conhecidas estão na lista vermelha, ameaçadas de extinção, da IUCN. Na costa brasileira, mais de 40% delas está em alguma categoria de ameaça.

O biólogo holandês Carolos Vooren, um dos mais importantes especialistas mundiais no assunto, veio para o Brasil na década de 1980 para dar aula no Instituto de Oceanografia da Universidade Federal de Rio Grande (RS). Segundo ele, o desenvolvimento da indústria pesqueira, subsidiada pelo governo, tem dizimado a população de tubarão da costa do país. Sandro Klippel, analista ambiental do Ibama, completa: “O governo federal concede muitos incentivos à indústria pesqueira, como isenção de óleo diesel e subsídio na construção de embarcações, o que bate de frente com a tentativa de promover o manejo sustentável da pesca. Mas isso não é privilégio do Brasil, esse tipo de incentivo é muito comum no mundo inteiro”. Uma das consequências desse fato, segundo Vooren, é o aumento do número de águas-vivas em alguns pontos do litoral brasileiro. “As águas-vivas preenchem os espaços vazios deixados no ambiente marítimo”, explica. Outro defensor dos tubarões, Wendell Estol, diretor técnico da ONG Sea Shepherd Brasil, aponta outra causa, numa reação em cadeira: menos tubarões significa mais peixes que se alimentam de corais, cuja população está se reduzindo, prejudicando a sobrevivência dos próprios peixes que se alimentam deles e gerando, assim, um círculo vicioso que empobrece todo o ambiente marinho. 


Além da função de controlar a população de outros peixes, os tubarões atuam na manutenção da saúde do ecossistema, alimentando-se de animais doentes e mortos – o que reduz as carcaças no fundo do mar das quais também se alimentam bactérias e micro-organismos. “O equivalente disso na terra seria os urubus. Sem eles, não só tropeçaríamos em animais mortos o tempo todo, mas também respiraríamos um ar repleto de bactérias e, provavelmente, não sobreviveríamos”, compara Marcelo Szpilman, diretor do Instituto Aqualung.


Economia do tubarão
Esses fatos, no entanto, não impedem o crescimento da indústria dos tubarões, capaz de movimentar somas expressivas no mercado internacional, que busca a carne com baixos índices de gordura saturada (a tão apreciada carne de cação), os óleos para produzir cosméticos, a pele para sapatos e bolsas. 

Mas nada se compara à prática do finning, cujo objetivo é o comércio de barbatanas. Trata-se de uma atividade cruel na qual as barbatanas são, na maioria das vezes, retiradas dos tubarões ainda vivos. Jogados de volta ao mar, incapacitados de nadar, os animais agonizam sem defesas. Quem alimenta essa prática é o mercado chinês, que procura atender a uma tradição que remonta à dinastia Sung, em 960 a.C. A sopa de barbatana é uma iguaria em Hong Kong e o resultado é um mercado de números astronômicos: uma única barbatana de tubarão-baleia, por exemplo, pode ser vendida por R$ 27 mil, tornando-se assim um sinal de status. 

Dessa maneira, a prática do finning tem se disseminado pelos oceanos afora, inclusive no Brasil. “É como se criássemos gado para comer apenas o filé-mignon: não teríamos carne disponível para todos por muito tempo. Isso é absolutamente insustentável”, avalia Marcelo Szpilman. A legislação brasileira permite a pesca do tubarão, mas não o finning. O problema é que transportar toda a carcaça do animal até o porto significa carregar um enorme volume do qual apenas uma pequena parte é realmente valiosa. Enquanto a carne de tubarão-martelo ou tubarão-azul rende de R$ 1,50 a R$ 2 por quilo para o pescador no Rio Grande do Norte, as barbatanas secas valem R$ 350 por quilo. O resultado é um mercado ilegal milionário, no qual as barbatanas são, em geral, secas em 
alto-mar e depois misturadas à roupa da tripulação, o que faz da fiscalização uma tarefa quase impossível. “E são milhares de pescadores fazendo isso diariamente. Um trabalho de formiga mesmo”, explica Szpilman, afirmando que o problema vai além dos barcos chineses pescando em águas internacionais e se ramifica no aliciamento de pescadores locais. “O finning é uma prática oportunista. Ainda que o pescador esteja atrás de um peixe valorizado, como o atum, por exemplo, se tem a chance, ele vai pescar um tubarão por causa da barbatana, mas não vai querer ocupar espaço no seu barco com aquela enorme carcaça sem grande valor comercial”, diz Sandro Klippel, que aponta erros na legislação relacionada a essa prática. 

Do Brasil para a Ásia
O fato é que o Brasil contribui de maneira significativa para o mercado de barbatanas da China. Segundo estudo da pesquisadora Shelley Clarke, realizado em 2004, o Brasil fornece cerca de 5% das barbatanas vendidas em Hong Kong. Em 2002, foram 625 toneladas do produto saídos do Brasil para esse mercado, embora os dados de exportação da Secretaria do Comércio Exterior acusem somente 4,5 toneladas exportadas. “Há uma grande quantidade de barbatanas de tubarão que saíram do Brasil como um produto diferente, provavelmente como forma de declarar valores inferiores e consequentemente pagar menos imposto”, diz diz Sandro Klippel, do Ibama.


Perseguido por tantos motivos, o tubarão, ainda por cima, não é um um grande reprodutor. Ele precisa investir considerável energia e tempo na formação dos seus filhotes. A espécie mangona, por exemplo, tem uma gestação que varia de 9 a 12 meses e os primeiros filhotes alimentam-se dos outros, ainda dentro de cada um dos dois úteros maternos, e o resultado desse canibalismo uterino é uma prole de apenas dois filhotes por gestação.

Combater a matança indiscrimada do tubarão torna-se ainda mais difícil diante da rejeição popular ao animal, que prevalece baseada mais na fama do que nos fatos. Afinal, somente três espécies podem realmente ser consideradas perigosas: o tubarão-branco, o tubarão-tigre e o tubarão cabeça-chata. “Mas deve-se esclarecer que todos os ataques são motivados por circunstâncias especiais, como erros de identificação ou invasão de território. Se fôssemos apetitosos para os tubarões, haveria muito poucas praias seguras ao redor do mundo e os ataques seriam diários e contados aos milhares”, diz Marcelo Szpilman, que vem praticando há anos o mergulho com as mais variadas espécies de tubarão, sem nenhum incidente. Ele explica que os oceanos são regidos por uma regra: o maior come o menor: “Se em terra firme é comum um leão atacar uma girafa, no mar isso seria impensável. Um mergulhador de 1,5 metro de altura, equipado com pé de pato que mede mais quase 1 metro, pode nadar com tranquilidade entre os tubarões, já que a maioria não ultrapassa 2,5 metros”. Acidentes fatais são raríssimos e as estatísticas mostram que não passam de dez anualmente no mundo tudo. A situação só muda em ambientes desequilibrados, como é o caso de Recife .

Habitantes dos oceanos há mais de 400 milhões de anos (veja quadro na página 47), o desaparecimento dos tubarões poderia trazer consequências graves para o bioma marinho e a economia das pessoas que vivem no entorno. Que o digam os pescadores da Tasmânia: anos atrás, assistiram ao colapso da indústria da lagosta causado pela quase extinção dos tubarões na região. A população de uma de suas presas, o polvo, aumentou muito e o número de lagostas, presas dos polvos, diminuiu – o que obrigou a uma reestruturação da indústria pesqueira local. Enquanto tubarões mortos trazem a renda de um dia para algumas poucas pessoas, os animais vivos podem trazer renda contínua para várias famílias locais por meio do ecoturismo e ainda garantir a saúde dos ambientes marinhos.

No mar caribenho, em algum lugar entre o Canal de Yucatán e a badalada Cancún, barcos que outrora pescavam, agora oferecem aos visitantes a possibilidade de se aventurar em um mergulho com tubarões-baleia. A imponência com que se movem esses animais, que podem chegar a 36 toneladas e medir até 12 metros – e são inofensivos, pois se trata de uma espécie que sobrevive filtrando micro-organismos da água – atrai os visitantes e ajuda a transformar a economia na região. Protagonistas de histórias sangrentas, esse seria um final feliz para os tubarões: serem admirados pela magnitude que desfilam em todos os mares. 


Evolução e adaptação
A maioria das espécies de tubarão povoou o planeta muito antes da existência do ser humano. Os fósseis encontrados comprovam isso, como o do megalodon, ou “megadente”, que habitou a Terra há dois milhões de anos. Provavelmente foi o maior tubarão que já existiu, com dentes que chegaram 
a medir 18 centímetros. Ele é considerado parente do tubarão-branco, embora muito maior, com peso estimado entre 20 e 50 toneladas. 

Hoje, os tubarões exibem as mais diversas formas, cores, tamanhos e comportamentos: do gigantesco e pacato tubarão-baleia, que chega a medir 12 metros, ao minúsculo tubarão-pigmeu, que cabe na palma da mão. Habitam desde águas tropicais até as mais gélidas dos polos, da superfície até quilômetros de profundidade. Uns nadam sempre em mar aberto, enquanto outros se adaptaram a uma estratégia de vida mais sedentária, próxima do litoral. Todas essas adaptações exemplificam o sucesso que os tubarões obtiveram em se adequar e povoar a maioria dos ambientes aquáticos existentes no planeta durante sua longa história evolutiva.


As questões legais
No Brasil, a legislação permite que o pescador tenha uma quantidade de barbatanas de no máximo 5% do peso total das carcaças em seu barco. O problema é que o peso da barbatana varia muito, assim como sua relação com o peso total do animal. Além disso, as barbatanas, uma vez secas, perdem mais da metade do seu peso e, assim, permitem que os 5% represente um número maior de barbatanas em relação ao de tubarões carregados pelo barco. O instituto Aqualung luta para que a portaria se assemelhe com a legislação americana, na qual se exige que o animal seja desembarcado com o corpo íntegro, ou seja, antes de a barbatana ser retirada.

Para Wendell Estol, diretor técnico da ONG Sea Shepherd Brasil, porém, a medida pode ajudar na fiscalização, mas não será suficiente para salvar os tubarões. “É preciso uma moratória de, no mínimo, dez anos para que as populações tenham tempo para se recuperar e, a partir daí, poderíamos pensar em uma pesca manejada”, explica ele. 
Uma lei rígida, nos termos defendidos pela Sea Shepherd, teve em 2010 seu primeiro exemplo: o Havaí proibiu completamente a posse, a venda, o comércio e a distribuição de barbatanas de tubarão.

                                                                                          

Comentários

  1. O extermínio é a prática da mortandade em massa que poderá
    provocar graves desequilíbrios aos ecossistemas marinhos, muitos deles até imprevisíveis.

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