ARARAS-AZUIS VOLTAM A COLORIR OS CÉUS DO PANTANAL-À SALVOS DA EXTINÇÃO.

Projeto de Educação Ambiental com a população e o monitoramento da população das araras protegem
as aves do risco de extinção.
                                             


 Os olhos bem abertos da avezinha percorriam a clareira assustados. Com 45 dias de vida, ainda demoraria dois meses para que estivesse apta a voar. Naquele momento, havia acabado de comer e o papo estava meio cheio. A plumagem não era daquele deslumbrante azul-cobalto dos adultos, em degradê desde a cabeça até a cauda. Peso: 1,24 quilo; comprimento total: 43 centímetros; asa: 19 centímetros. Os dados eram anotados com cuidado. Faziam parte do trabalho de observação das araras-azuis (Anodorhyncus hyacinthinus), as maiores araras do mundo, resgatadas da lista de espécies em perigo de extinção pelo trabalho da bióloga Neiva Guedes, 42 anos, que, desde 1989, dedica sua vida ao salvamento da espécie.

Apesar dos protestos da avezinha, a retirada do ninho, feita com todo cuidado e carinho, foi necessária. As medições ajudam o manejo da espécie e a conservação da saúde do filhote. Enquanto não se tornam adultas, as aves são presas fáceis de outros animais e até de formigas e baratas presentes no ninho. Cada casal de arara-azul coloca apenas dois ovos a cada dois anos. Isso acontece porque, depois que o filhote nasce, é preciso que ele permaneça na companhia dos pais por cerca de um ano e meio, para que aprenda a voar e a quebrar os cocos de acuri e bocaiúva, seus únicos alimentos.

Caso os filhotes nasçam com uma diferença superior a cinco dias, a probabilidade do segundo sobreviver é muito pequena. O maior tem mais sucesso na briga pelo alimento, além do que, às vezes, os pais não conseguem alimentar dois filhotes ao mesmo tempo. Tanta dificuldade faz com que Neiva e sua pequena equipe tenham de monitorar os ninhos pelo menos uma vez por mês e anotar os dados numa tabela. O objetivo é manter uma população viável de araras-azuis em seu ambiente natural no Pantanal Mato-Grossense, onde atualmente elas são mais abundantes.


Como proteger uma ave perseguida

Tudo começou em novembro de 1989, quando Neiva, então uma bióloga recém-formada, tomava parte de um grupo de técnicos ambientais do Mato Grosso do Sul que fazia o reconhecimento da flora e fauna nos arredores de Miranda e deparou-se com um bando de 30 araras-azuis pousadas em uma árvore. A cena a tocou profundamente, ainda mais quando soube que aquelas aves poderiam desaparecer do seu ambiente natural nos anos seguintes se nada fosse feito para mantê-las. “Saí daquele encontro com a certeza do que queria fazer dali para frente”, gosta de contar Neiva. “Iria estudá-las.”


Daí nasceu o Projeto Arara-Azul que hoje acompanha cerca de 5.500 indivíduos e mais de 500 ninhos no Pantanal, com apoio da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal Uniderp (Uniderp). O início não foi fácil. As aves nunca haviam sido objeto de estudo. Pouco se sabia do seu comportamento, alimentação e ciclo de vida. Pior ainda: as araras-azuis eram perseguidas pelos traficantes de animais silvestres e seu hábitat destruído por desmatamentos e queimadas. Além disso, sofriam com a retirada de suas penas para produzir adornos, confeccionados por certos povos indígenas (a prática está proibida desde 2004).

No Brasil, existem populações de araras-azuis também na Amazônia, no Piauí, Tocantins e Bahia, mas só no Pantanal são protegidas. Quando começou a estudá-las, Neiva percebeu que, além de combater o tráfico e as queimadas, deveria convencer os fazendeiros a manter as aves em suas terras e trabalhar com as entidades que buscam mudar os hábitos de uso do solo na região para frear o avanço das grandes pastagens. Além disso, era preciso conhecer melhor as peculiaridades das próprias araras.


Maior ave da família dos psitacídeos, as araras-azuis chegam a medir 1 metro da cabeça à ponta da cauda. Apesar do tamanho, são dóceis e fáceis de capturar. Formam casais fiéis por toda a vida e fazem seus ninhos em troncos naturais de manduvi. Com o desmatamento, a árvore vem escasseando no Pantanal, o que dificulta ainda mais a vida das aves. “Para que a manduvi tenha condições de abrigar um ninho, precisa ter quase cem anos”, comenta Neiva. Os buracos não são cavados pelas araras, mas feitos anteriormente por outras espécies ou formados naturalmente.


Sem ninho natural, o jeito foi construir “casas”
foto: Luciano Candisani
Neiva retira o filhote do ninho para fazer medições de rotina
Foi pensando na dificuldade de fazer o ninho que Neiva teve uma de suas idéias simples, mas geniais. Ela começou a instalar ninhos artificiais de madeira, em locais onde faltavam cavidades para que as aves pudessem colocar os ovos. Todos são marcados com uma placa de metal indicando o número do ninho e a data de cadastramento ou instalação. E todos são colocados em árvores bem altas e destacadas da vegetação, de fácil acesso para as araras e próximas de locais com água e alimento.

Bom para as araras, complicado para quem quer estudá-las. Neiva, ou seu auxiliar, Carlos Cezar Correa, têm de subir cerca de 10 metros do chão, enfiar a mão dentro do ninho e retirar o filhote para colocá-lo no balde, enquanto os pais aflitos rodeiam a árvore. Depois, trazer o balde para o chão e fazer as medições enquanto o escalador fotografa o ninho para saber se tem larvas ou outros insetos indesejáveis. Estilingue, chumbada com linha de náilon, corda e fita de ancoragem são essenciais na escalação. Hoje, a pequena equipe montou até uma espécie de cadeirinha para subir em questão de segundos.


É preciso fazer tudo muito rápido para não estressar as aves e cumprir a rotina de visitação – algo como dez árvores por dia em uma área de até 400 mil hectares, que Neiva e sua equipe percorrem diariamente de carro para o projeto. Com asas que alcançam 36 centímetros cada uma, as araras-azuis voam longas distâncias – até 25 quilômetros – e a grandes alturas – 100 metros. Para passarem a noite em segurança, reúnem-se em bandos nos chamados “dormitórios”. Muitas vezes, o deslocamento das araras acompanha o do gado, principalmente durante o período das chuvas, em que os animais buscam sair das áreas alagadas.

foto: Luciano Candisani
É comum avistar as araras em dupla, pousando sobre árvores ou mourões de cerca

Hoje, Neiva não sai tanto a campo. Quando não está viajando, dedica-se ao projeto de conscientização da população local. Mais de 40 fazendeiros permitem que os pesquisadores trabalhem em suas terras. O monitoramento das aves também é acompanhado por hóspedes do Refúgio Ecológico Caiman ou da Pousada Araraúna, da Uniderp, e faz parte das atividades de educação ambiental com as crianças das fazendas, que também participam do trabalho de resgate da cultura pantaneira. Neiva sabe que tudo isso é importante. “No futuro”, diz ela, “poderá trazer novos frutos, como novos aliados, mais gente querendo conhecer as araras no Pantanal, menos gente querendo ter a ave como animal de estimação. Eu, pelo menos, sou bastante otimista.

Comentários

  1. Apenas no Pantanal do Mato Grosso as Araras-azuis estão
    protegidas, em outros estados a ameaça de extinção existe.

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