ILHA DO CAJU-MA: DUNAS E MANGUEZAIS PRESERVADOS.

A ilha do Caju fica localizada no delta do Parnaíba, entre os estados do Maranhão e Piauí, um ecossistema
que recebeu o status de Área de proteção Ambiental (APA).

                                                             


Aqui é proibido desmatar desde a época da minha tataravó Torquata”, diz, orgulhosa, a empresária e ambientalista Ingrid Clark, 46 anos, uma das responsáveis pela obtenção do status de Área de Proteção Ambiental (APA) do Delta do Parnaíba, entre os estados do Maranhão e do Piauí, onde está a Ilha do Caju, de sua propriedade. O orgulho é justificado. Afinal, num país no qual o desenvolvimento econômico nem sempre andou junto com a consciência ambiental, a família de Ingrid conseguiu manter quase intacto esse santuário ecológico de 100 km2, quatro vezes maior que Fernando de Noronha, e considerado o mais preservado entre os ambientes que formam as 80 ilhas e ilhotas do delta.



Apesar de a tataravó Torquata Castello Branco ter defendido de forma pioneira o patrimônio natural da ilha, foi o bisavô de Ingrid, o inglês James Frederick Clark, que selou o seu destino, ao comprá-la da família de sua mulher (neta de Torquata) em 1919. Ao chegar ao Brasil em 1869, com apenas 15 anos, o jovem Clark começou a trabalhar como aprendiz da Casa Inglesa, uma firma de importação. Em menos de 30 anos, tornou-se sócio e proprietário da empresa.

Em 1889, enquanto o Brasil proclamava a República, Clark iniciou o negócio da venda da cera de carnaúba para os Estados Unidos e a Europa, matéria-prima de velas, cilindros e discos de vinil. Foi o início do ciclo da carnaúba, que fez a riqueza das cidades que detinham sua produção e exportação pelo rio Parnaíba.



Com o negócio da carnaúba, Clark não apenas contribuiu para a reinserção do porto da cidade de Parnaíba na economia brasileira, da qual estava afastado desde a decadência da produção de carne de charque no século 18, como livrou a Ilha do Caju da monocultura e da pecuária extensiva que destruíram tantos ricos ecossistemas brasileiros. Clark tinha meios e espírito ecológico, mantendo o local em seu estado primitivo e a harmonia com a natureza. Por isso, na imensidão da ilha, onde florestas e mangues se misturam a restingas e dunas gigantescas, sobreviveram intactos animais e plantas ameaçados de extinção em outros locais.



                                                                       



Manguezais preservados

Preservar o meio ambiente nessa região de frágeis ecossistemas é um desafio. As ilhas do delta dependem de complexos fatores naturais, como a variação das marés e o acúmulo de matéria orgânica que garante a fertilidade dos manguezais. O delta também pode sofrer com atividades que ocorrem a distância de suas ilhas, como a pesca indiscriminada de camarão em mar aberto, que põe em risco a sua reprodução nos rios; ou o assoreamento de qualquer ponto dos 1.485 quilômetros do Parnaíba.

Apesar de sua fragilidade, a região ainda é considerada bastante conservada, principalmente por causa da baixa densidade populacional e do difícil acesso às ilhas. O problema maior, atualmente, é dotar as comunidades de bons sistemas de saneamento e educação e, sobretudo, promover fontes de renda compatíveis com a realidade local. Ali foi criada a Reserva Extrativista Marinha do Delta do Parnaíba, com o objetivo de garantir a permanência das comunidades extrativistas tradicionais, conciliando a conservação de recursos e a exploração sustentável.

Com 35% de sua área constituída de florestas de mangues, a Ilha do Caju constitui um dos ecossistemas de manguezal mais preservados do delta, com árvores de mangue vermelho que chegam a medir até 20 metros de altura. Ali vive, se reproduz e se alimenta uma infinidade de peixes, caranguejos e ostras, além de macacos, jacarés, raposas, garças, guarás e coelheiros. A caça e o desmatamento foram proibidos, bem como a instalação de moradores sem a autorização dos proprietários.

Cerca de 12% da ilha é constituída de dunas, margeadas por uma orla de 27 quilômetros de praias desertas. Como na famosa região vizinha do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, são montes de areia branquíssima que mudam de forma, altura e lugar, envolvidos pelo vento que sopra do mar. Depois das chuvas, ali se formam lagoas cheias e cristalinas habitadas por peixes e um bom número de jacarés. Às vezes, esses animais sobem e descem as dunas e chegam ao mar para pescar. O restante da ilha é constituído de florestas e matas de restinga, com sua vegetação rasteira e protetora. No interior, estão os campos de cajueiros que inspiraram seu nome.

“Tanto meu avô como meu pai brigaram para manter a natureza o mais intacta possível”, conta Ingrid. “Mesmo com o fim do ciclo da carnaúba, no fim dos anos 60, quando a família fechou a empresa em Parnaíba e se mudou para o Rio de Janeiro, meu pai, Bruce, voltava sempre à ilha para fiscalizar.” Em 1984, a jovem Ingrid voltou ao delta e resolveu criar a pousada Ilha do Caju, acreditando que o ecoturismo seria a única maneira de continuar preservando o lugar e na esperança de tornar a ilha auto-sustentável. Atualmente, apenas 15 pessoas vivem ali, entre funcionários e uma família de moradores em comodato, que ajuda na fiscalização.

Tempos Modernos

“O ecoturismo é feito para pequenos grupos, para perturbar o menos possível o hábitat”, explica Ingrid. Na pousada, os visitantes convivem com todo tipo de animal. Bem à frente da entrada principal da sede, por exemplo, um tamburi, árvore de tronco grosso e copa imensa, abriga ninhos de xexéus, pássaros de cor negra com dorso e cauda amarela – quase um cartão-postal da ilha. É comum também avistar dois outros habitantes nativos, o camaleão e o macaco-prego. No caminho da praia, lagoas rodeadas de garças, além de tucanos, jacus, socós, maitavas e pica-paus.



O ciclo da carnaúba
Conhecida como “árvore da vida” por sua resistência tanto à chuva quanto à seca, a carnaubeira é planta típica dos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. Da carnaúba, tudo se aproveita. A cera (película que recobre as folhas) serve como componente químico na fabricação de cosméticos e produtos de limpeza, filmes plásticos e fotográficos. É usada ainda na composição de revestimentos, lubrificantes, vernizes e chips de computadores. No século 19, foi responsável por um importante ciclo da economia do Piauí. O produto começou a ser exportado para a Europa para a fabricação de velas, em substituição ao sebo animal. Em seguida, passou a ser matéria-prima obrigatória de polimentos de pisos, móveis, pinturas de automóveis, tintas e vernizes. Com o advento da indústria petroquímica, seus derivados substituíram cada vez mais a cera em suas aplicações.


                                                                  

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