INDÍGENAS CONSOLIDAM O MANEJO E A VENDA DO PEIXE PIRARUCU NA AMAZÔNIA.

O pirarucu é o principal alimento e a mais importante fonte de renda dos índios Paumari, povo das
águas do Sul do Amazonas.
                                             


Os Paumaris, um povo de fala mansa e cadenciada, conhecedor do mundo aquático, deu uma grande volta por cima, reconquistou a autoestima e hoje é um exemplo a seguir quando se fala em manejo pesqueiro. Depois de um intervalo de cinco anos, os indígenas voltaram a comercializar o pirarucu, capturado nos lagos das Terras Indígenas Paumari do Lago Manissuã, Paumari do Lago Pancá e Paumari do Caniuá, no sul do estado do Amazonas.

Com apoio do projeto Raízes do Purus, da organização Operação Amazônia Nativa (Opan) e com o patrocínio da Petrobras, essa atividade se consolidou como uma alternativa para as aldeias melhorarem sua qualidade de vida e a proteção do seu território.

A ligação dos Paumaris com as águas se deve à própria característica da várzea onde vivem, formada por 196 lagos e vários igarapés e praias, na bacia do Rio Tapauá. A grande maioria de suas casas é construída sobre flutuantes, feitos com toras de madeira da floresta, e sua alimentação é à base de peixe e de caça. À sua volta estão ribeirinhos da foz do Rio Tapauá e do Rio Camaruã, comerciantes e pesqueiros de várias cidades do Amazonas.

Por causa da pressão externa sobre os recursos naturais, os Paumaris enfrentam muitos desafios e o pirarucu, uma das principais fontes de sua alimentação e conhecido como o gigante das águas doces, chegou a estar ameaçado de extinção. Alguns núcleos dos indígenas, por desconhecer os riscos, arrendaram lagos e havia pesca predatória dentro da reserva. O trabalho de manejo desenvolvido alterou essa realidade ao unir as aldeias das três terras e fortalecer a organização do povo. “Nós tínhamos muitos problemas com os ‘invasores’, barcos pesqueiros e ribeirinhos vizinhos, que frequentemente eram vistos pescando em nossos lagos. Isso ficou no passado”, informa Clemildo Paumari, da TI do Lago Paricá.

O manejo pesqueiro se tornou uma das principais atividades para o povo, provocou mudanças importantes na organização social e na forma de gerir os recursos naturais dentro das terras. Hoje, eles entendem que precisam conservar e aplicam o conceito de controle para além do pirarucu, com espécies como acará-disco, matrinxã, jaraqui, tucunaré etc., mesmo quando a captura é para sua subsistência.


Boa pescaria- Na primeira pesca, realizada em setembro de 2013, foram pegos 50 peixes, somando 3.500 quilos de pirarucu e renda bruta total de R$ 26.422,50. Com os números positivos e os sinais de recuperação dos peixes, os Paumaris abraçaram de vez o projeto.

A segunda pesca aconteceu em outubro de 2014, por causa da demora na vazante dos rios. Dos 39 lagos reservados pelo povo para a recuperação dos estoques, três foram palco da experiência: Lago Redondo e Lago Comprido na TI Paumari do Lago Paricá e Lago da Volta na TI Paumari do Lago Manissuã. Da cota de 99 peixes autorizados pelos órgãos ambientais, foram pescados 89, sendo 85 pirarucus comercializados, três destinados à doação e um para a alimentação do povo.

Fogos de artifício, antes da alvorada, anunciaram de maneira festiva o início dos trabalhos no Lago Redondo. O esforço envolveu diretamente 84 indígenas, divididos em equipes: audiovisual, pescadores, transportadores, geladores, limpadores, responsáveis pelos registros de peso e medidas de cada peixe, monitores e a equipe da cozinha, que reunia as mulheres e os meninos mais jovens.

Nos lagos, o trabalho era silencioso e exigia muita concentração dos experientes pescadores que, com redes apropriadas, faziam a “comboiagem” – processo que busca separar os peixes jovens dos adultos e os leva para a cabeceira do lago, a fim de facilitar sua retirada da água.

A base de apoio foi montada nos flutuantes de vigilância, onde os peixes eram pesados, medidos, eviscerados, limpos e era feita a análise do estágio gonodal, em que se identifica o sexo e se o peixe está maduro para a procriação. Na última etapa desse processo, o peixe recebe o lacre e é resfriado no barco geleiro contratado pela Cooperativa Mista Agroextrativista Sardinha (Coopmas), do município de Lábrea, compradora do produto Paumari.

O zelo dos Paumaris com a manipulação do peixe é grande, desde o momento em que ele é tirado do lago até chegar ao gelo, para manter sua qualidade e seu sabor.


Pirarucu e o mercado- Astrogildo Oliveira da Costa, diretor da Coopmas, explica que o produto pesqueiro tem uma exigência muito rígida por ser perecível. “Temos procurado usar a melhor técnica possível, inclusive os participantes são escolhidos por sua capacidade de zelar pela qualidade. O destino final também é analisado, e sempre escolhemos locais e pessoas que trabalham com responsabilidade e dentro das normas de vigilância”, reitera.

O pirarucu do povo Paumari foi vendido, por enquanto, para o Pará, por ser um estado que apresenta uma das melhores estruturas de beneficiamento e de recebimento do produto. Em 2014, a pesca rendeu 4.950 quilos, quase 5 toneladas de pescado. A média de peso foi de 58 quilos por animal, remunerados a R$ 7,50 o quilo. Os 85 exemplares geraram R$ 37.125,00, dos quais foram separados 30% para uma “caixinha” para investimentos futuros. O restante foi dividido entre os Paumaris por meio do sistema de pontos, uma forma de tentar remunerar cada um de acordo com seu envolvimento no trabalho do manejo, que envolve vigilância territorial, reuniões, contagem e a pesca.


“Do ano passado para cá, houve esse amadurecimento entre os Paumaris essa sistematização de pontos me parece algo mais justo e uma forma de mobilizar as pessoas a se envolver mais. O controle social opera de forma muito interessante entre o povo e fez com que o processo de divisão de recursos fosse tranquilo e harmonioso”, analisa o coordenador do Programa Amazonas da Opan, Gustavo Silveira.


Os Paumaris mudaram hábitos e costumes, por conta do plano de manejo que escolheu as áreas de defeso e a natureza respondeu de forma incrível. Em cinco anos de retirada controlada em pontos específicos, foi registrado um aumento significativo de todo o estoque pesqueiro na região, assim como de quelônios e de caça. Uma fartura que o povo não via há algum tempo dentro do seu território. A iniciativa lhes trouxe visão de gestão territorial. Com ela, eles aboliram a pesca predatória de suas terras e conseguiram fazer um aproveitamento sustentável de seus lagos.



A experiência do manejo sustentável do pirarucu foi reconhecida como tecnologia social pela Fundação Banco do Brasil e rendeu à Opan o Prêmio Nacional de Biodiversidade na categoria Sociedade Civil, entregue pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2015. Ao receber o prêmio, em Brasília, em companhia de Germano Paumari, Gustavo Silveira alertou: “A pressão externa é muito grande e a falta de apoio do governo tanto para as fiscalizações quanto para a estruturação da cadeia produtiva são dois dos principais gargalos para se manter um projeto como o nosso”. A ministra Isabella Teixeira respondeu à sua colocação ao reconhecer: “A mensagem do vencedor aqui é importante em função de toda resistência que nós sentimos quando editamos uma lista de espécies ameaçadas de extinção. Alegam que queremos inviabilizar a pesca no Brasil. Essa iniciativa é prova de que o manejo, como noção de sustentabilidade, não só recupera espécies como também é possível oferecer a proteína (o alimento) e não degradar a natureza”. Para Germano Paumari, o prêmio vai incentivar ainda mais o povo a continuar o trabalho e a fortalecer o grupo. “A gente tem conseguido estreitar o diálogo com a frente de proteção e fiscalização e, ainda neste ano, devemos começar a mapear os locais onde ocorrem mais invasões nas nossas terras, para então desenvolver um trabalho de conscientização e, posteriormente, acionar os órgãos competentes, de fiscalização e apreensão.



                                         

Comentários

  1. Com o bom manejo de pesca, respeitando as áreas e períodos de defeso, aumentou muito o estoque pesqueiro, assim como as tartarugas e animais de caça. Fartura para os indígenas.

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