NUVEM DE MOSQUITOS: O desequilíbrio ambiental que capitaliza doenças humanas.

As grandes metrópoles ainda não se acostumaram a lidar com os surtos de doenças infectocontagiosas
transmitidas por mosquito, mas o seu crescimento desordenado, provocando impactos ambientais, até
deixando para segundo plano o gerenciamento dos resíduos sólidos, e a simples derrubada de árvores,
podem contribuir para a proliferação de mosquitos vetores de doenças.



A rotina do biólogo carioca Jerônimo Alencar nas matas próximas do rio Paraíba do Sul, município de Simplício (RJ), incluiu uma prática arriscada que poucas pessoas se atreveriam a experimentar. Trata-se de um perigo “calculado”: durante uma semana, Alencar e outros pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição que realiza estudos sobre a biologia e ecologia de mosquitos vetores de doenças no Brasil, cedeu o braço como isca para o pouso de mosquitos que picam humanos para se alimentar de sangue e, que, no ato, podem transmitir malária e outros males. 

O ritual inclui a habilidade de evitar a picada e capturar o inseto em um tubo de ensaio para estudo posterior em laboratório. O objetivo nesses casos é medir a quantidade e observar o comportamento dos mosquitos no entorno de grandes obras que podem provocar impactos ambientais sobre a saúde das populações de sua área de influência. Especificamente, a usina hidrelétrica de Simplício, em fase inicial de obras, prevista para entrar em operação em 2012.

Tais estudos de vigilância epidemiológica são obrigatórios quando a ação do homem pode provocar grandes alterações na paisagem e modificar os ecossistemas. A abertura de estradas, projetos de expansão agropecuária, garimpo e hidrelétricas têm alto poder de multiplicar casos de doenças. Com o desmatamento e os fluxos migratórios decorrentes, mosquitos que antes se alimentavam de sangue de animais silvestres passam a picar a população em áreas onde não havia adensamentos humanos. 

Para saber se a população da região de Simplício poderia se expor a esse risco, a equipe da Fiocruz instalou armadilhas luminosas nas matas que seriam alteradas e assim recolher os insetos enganados pela luz. Sem esquecer as larvas deixadas em buracos de árvores, frutos caídos, córregos e outros lugares com água onde os ovos costumam ser depositados.

A ameaça da dengue

Mas o perigo não mora apenas em áreas desmatadas recentemente. A dengue, doença infecciosa febril, causada por um vírus, é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, que parecia ter sido erradicado do Brasil e de outros países da América Latina. A urbanização acelerada e a lentidão do governo em reestabelecer medidas de vigilância epidemiológica acabaram facilitando a volta desses transmissores. Isso foi possível porque eles encontraram as condições ideais para se reproduzir em pneus e ferros-velhos, mas também em depósitos de lixo e em locais de água limpa e parada, como vasos de plantas e cisternas, comuns nas grandes cidades.

Com maior quantidade de mosquitos transmissores e de criadouros onde eles podem colocar os ovos, cresceu o número de pessoas expostas à infecção. Atualmente, a dengue é a doença transmissível mais preocupante no Sudeste, tendo sido registrados quase 250 mil casos no Estado do Rio de Janeiro, com 174 mortes durante o ano de 2008 e a ameaça de números igualmente alarmantes para 2009. Preocupa também o fato de que o vírus da dengue se divide em quatro tipos diferentes, que podem causar tanto a manifestação clássica da doença quanto a hemorrágica, muito mais grave. Após a introdução do tipo 2 na região do Rio de Janeiro em 1991, foi observado que os sintomas dos doentes se agravaram e, em 2001, com a epidemia do vírus tipo 3, a doença ficou mais séria ainda. Sete anos depois, com o retorno do tipo 2, surgiram os casos letais para quem já tinha sido intectado anteriormente.

Na realidade, o surgimento da dengue é resultado da expansão do homem para áreas de floresta há muitos séculos, provavelmente na África. “No meio silvestre, o vírus era mantido sob controle, sendo transmitido de forma inofensiva por insetos para macacos que não desenvolvem a doença”, explica Anthony Érico Guimarães, pesquisador da Fiocruz. Esses insetos acompanharam o homem em suas migrações e, provavelmente, chegaram ao Brasil com os navios negreiros há mais de 100 anos. Também por navios, foram levados para o Sudeste Asiático, sul do Pacífico, ilhas do Caribe e outros países da América Latina. 

O susto da febre amarela

O mesmo Aedes aegypti, que transmite a dengue, é o responsável pela disseminação de outra doença grave: a febre amarela urbana, considerada o maior problema de saúde pública no Brasil de meados do século 19 até o início do século 20, sendo objeto da ação de grandes sanitaristas como Oswaldo Cruz (veja texto na página seguinte). Existem dois tipos de febre amarela: a silvestre, transmitida pela picada do mosquito Haemagogus, e a urbana. Nos dois tipos, os transmissores são diferentes, mas o vírus e a doença são iguais. Uma vez infectada em área silvestre, a pessoa pode, ao retornar para a cidade, sevir como fonte de infecção para o Aedes aegypti. 

A forma urbana da doença foi erradicada em 1942. No entanto, a febre amarela silvestre não é erradicável, já que circula naturalmente entre primatas das florestas tropicais. Embora exista uma vacina para controlá-la.

Normalmente, quem vive ou se dirige às áreas de risco, como zonas de florestas e cerrados, onde subsiste a febre amarela silvestre, recebe a vacina para se prevenir. Mas sempre existe o temor de que uma pessoa infectada pela forma silvestre da doença retorne para áreas da cidade onde existe o mosquito da dengue e reintroduza a febre amarela urbana. Foi esse temor que levou muita gente a procurar os postos de vacinação no verão de 2008, quando a doença vitimou alguns praticantes de turismo ecológico e rural na Chapada dos Veadeiros, em Alto Paraíso (GO). Além disso, os órgãos de vigilância foram acionados após a morte de macacos infectados em matas próximas de cidades do Centro-Oeste, de São Paulo, Paraná e Minas Gerais. Mesmo assim, não existe possibilidade de uma pessoa contrair a doença sem ter estado em região de mata.

                                                                 

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