O LOBO-GUARÁ RESISTE E SEU HABITAT É PRESERVADO.

Pesquisadores de Universidades brasileiras, lutam pela sobrevivência do Lobo=Guará no Cerrado.



foto: Adriano Gambarini






Sempre digo que cada um que vai à Serra da Canastra encontra o seu tesouro em meio às rochas, cujo formato de arca – ou canastra – deu nome ao parque. Encontrei o meu há anos, quando lá iniciei minhas pesquisas, representando o Instituto Pró-Carnívoros. Esse tesouro se chama lobo-guará, um animal persistente. Ao longo do tempo, vem se adaptando aos desmatamentos, transformação de áreas naturais em plantações e pastagens, perseguições por conflitos com a população, estradas e doenças de animais domésticos. Todos cenários prejudiciais à sua sobrevivência. Mas como uma das espécies sul-americanas de grande porte mais preparadas para suportar a expansão humana, o lobo-guará insiste em viver e está distribuído em todo o continente sul-americano. A região do Parque Nacional da Serra da Canastra, hoje um dos raros santuários da espécie, tem cerca de 80 animais no seu território.

A peça mais valiosa desse tesouro encontrei em um fim de tarde, quando a tonalidade brilhante do sol dourava os campos no alto do chapadão principal da serra mineira. Durante anos de trabalho duro pela conservação da espécie, eu e a equipe do Projeto Lobos da Canastra esperávamos o momento ideal para acompanhar a criação de filhotes do animal. Já havíamos observado algumas lobas em fase de gestação, mas nunca vimos os lobinhos recém-nascidos. Daquela vez, estávamos acompanhando um casal – Amadeu e Lais. Ele, um macho arisco de 7 anos que, após a captura, ganhou uma coleira especial dotada com um transmissor de sinais de rádio e GPS. Ela, uma loba forte de 6 anos que teve de ser recapturada, para que trocássemos a coleira tradicional pela nova, para permitir também o seu acompanhamento por satélite.

Durante a última captura de Lais, o veterinário do projeto detectou, pelo ultra-som, o início da gestação. Começou então a contagem regressiva para encontrarmos os filhotes. Os sinais indicados pelas coleiras especiais mostravam que o casal vivia no entorno do parque, em áreas de fazenda, o que significa que estavam expostos a várias ameaças. Até mesmo a de contraírem doenças de cachorros domésticos, um risco grande, já que os lobos-guarás não têm imunidade. Havia, também, o perigo de Lais escolher um lugar inseguro para parir e criar seus filhotes.

Temíamos, sobretudo, os fazendeiros que costumam reclamar dos ataques dos lobos-guarás às criações e, às vezes, decidem abatê-los. Foi para conhecer os hábitos e os riscos à sobrevivência do animal que iniciamos os trabalhos do projeto pelo Cenap (Centro Nacional de Pesquisas para a Conservação de Predadores Naturais), do Instituto Chico Mendes, e pelo Pró-Carnívoros há quatro anos. Além dessas, outras instituições, como a Smithsonian Institution, a Universidade de Brasília, a Federal de Minas e a PUC do Rio Grande do Sul participam da pesquisa.

Após quatro anos de estudo, observamos que um dos maiores desafios é encontrar formas de convivência harmoniosa com os moradores locais, já que o lobo-guará é uma espécie que, às vezes, visita as propriedades rurais atrás de aves domésticas. Isso ocorre quando os lobos, que comem de tudo, inclusive uma grande variedade de frutas, não encontram seu alimento natural nas áreas degradadas. O prejuízo, acrescido das lendas e contos sobre lobos que comem criancinhas, leva à intolerância dos proprietários.

Uma das formas de prevenção discutidas pelo Cenap foi a construção de galinheiros-modelo à prova de lobos em fazendas da região. Mas o sucesso na luta pela conservação da espécie só é possível pelo maior conhecimento de seus hábitos. Intensificamos as buscas pela toca na qual deveria nascer o filhote de Lais. Mas, quando encontrávamos a loba, ela ainda estava barriguda. Na última semana, deixamos de segui-la de perto para não incomodar na delicada fase pré-parto. A análise do sangue e fezes dos lobos capturados aponta um nível maior de stress entre os animais que vivem nas áreas não protegidas da região e não queríamos prejudicar o grande acontecimento.

Quando reiniciamos a busca, o casal tinha desaparecido. Amadeu sempre foi difícil de encontrar, mas Lais costumava ficar próxima. No entanto, só conseguíamos ouvir um sinal fraco da coleira, a indicação de que não estávamos perto da toca. Depois de andar próximo à borda do parque durante cinco dias inteiros, naquele fim de tarde, ouvimos o bip mais forte, cuja direção apontava para a área protegida. O dia estava se acabando, mas não podíamos parar e correr o risco de perder de novo a pista. O receptor dos sinais indicava que chegávamos mais perto a cada passo. Foi quando o biólogo Jean Pierre, um dos principais membros do projeto, viu, à nossa frente, o pêlo avermelhado da loba, atenta à nossa presença. Ela parecia saudável, tinha cara de mãe.

Estava em uma toca de capim, já que os guarás não costumam cavar buracos como outros canídeos, apenas ajeitam a vegetação mais alta, construindo “ninhos” perfeitos com túneis e galerias. Chegamos uns poucos metros mais perto. Cruzamos o limite e a loba se levantou e resmungou. Foi o bastante para vermos bolinhas de pêlo escondidas debaixo dela, mexendo-se como se respondessem ao resmungo da mãe. Era o tesouro: uma prole de três lobinhos! Pretinhos, eles tinham menos de uma semana de vida



Para nós, a descoberta dos lobinhos confirmou as informações que já tínhamos: o lobo-guará insiste em driblar as adversidades e continua a perpetuar a vida em um mundo cheio de barreiras à sua sobrevivência. O sucesso nessa luta é obtido por cada vez menos indivíduos de espécies ameaçadas de extinção. E, apesar de os lobos-guarás figurarem entre aquelas espécies consideradas “vulneráveis” na lista vermelha brasileira de animais em perigo, eles fazem isso muito bem – como se teimassem em viver nesse século tão difícil para a vida selvagem.


Impasse na Serra da Canastra

Situado no sudoeste de Minas Gerais, o Parque Nacional da Serra da Canastra (foto) foi criado em 1972 para proteger as nascentes dos rios São Francisco, Araguari e de diversos afluentes do rio Paraná. Apenas um terço da sua área de 200 mil hectares foi regularizada. O restante é composto de terras nas quais vivem pequenos proprietários rurais, dedicados a atividades econômicas ligadas à pecuária leiteira e à agricultura de café e milho.

O terreno montanhoso do parque é recortado por inúmeros córregos e coberto por diferentes tipos de vegetação – do campo limpo ao cerradão, entremeados por campos rupestres e matas ciliares. As características dessa paisagem favorecem a observação de inúmeros mamíferos ameaçados de extinção, como o tamanduá-bandeira, o lobo-guará e o tatu-canastra. Aves raras, como o pato-mergulhão e a águia-cinzenta, também compõem a fauna dessa parte do cerrado. Pela sua beleza e presença de espécies selvagens, a Serra da Canastra é hoje referência mundial em preservação da natureza. O que resultou na mudança dos objetivos do parque: de área de proteção de nascentes de rios importantes, a Serra da Canastra passou a ser considerada um local essencial para a manutenção da biodiversidade do cerrado. 


Forte, mas acuado

As patas longas e negras, a coloração pardo-avermelhada, o longo focinho e as grandes orelhas do lobo-guará (Crysocyon brachyurus) são o resultado de uma alta adaptação a ambientes abertos. Mas, apesar desses animais serem originalmente habitantes do cerrado, hoje também podem ser encontrados nos limites da Mata Atlântica e da Amazônia, em áreas que foram modificadas e se tornaram mais abertas por causa do desmatamento. Estima-se que, no Brasil, existam 22 mil lobos-guarás. Em outros países latino-americanos, os aguarás guazus, como são chamados, não chegam a 2 mil indivíduos somados na Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Peru. São animais tímidos, que morrem de medo dos homens. Mas, quando a timidez dá lugar à curiosidade, podem sofrer com ataques dos proprietários rurais, que vêem neles um inimigo pelos danos econômicos que eventualmente trazem. Para piorar, no interior do Brasil, se acredita que o olho do lobo-guará é amuleto contra mau agouro. O resultado é que o lobo brasileiro, que é primo distante de espécies mais problemáticas do Hemisfério Norte, como raposas, coiotes ou mesmo os próprios lobos americanos, acaba sofrendo o mesmo tipo de perseguições.

Comentários

  1. O Lobo-Guará é um dos grandes mamíferos sul-americanos e sempre frequentou a lista vermelha dos animais ameaçados de extinção.

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