O BRASIL QUER NEGOCIAR CRÉDITOS DE CARBONO POR REDUZIR A POLUIÇÃO DO AR.

Em acordos internacionais, os países precisam atingir sua metas de redução de gases de efeito estufa para
combaterem o aquecimento global. O Brasil, por exemplo, quer vender créditos de carbono para algum
país que não conseguiu atingir suas metas ou melhor, não reduziu a sua carga de poluentes lançados na
atmosfera. É como se fosse uma multa por não ter feito a sua parte no acordo.

O aquecimento global colocou o planeta em xeque-mate. Provocado pelo acúmulo de gases, como dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N20) na atmosfera, o aumento da temperatura na Terra traz consequências e exige mudanças e adaptações na economia. Como esses gases são resultantes do uso de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural), utilizados nas atividades industriais e no transporte, cada país precisa desenvolver políticas e tecnologias que limitem suas emissões. Este controle está previsto no Protocolo de Kyoto, o acordo internacional do qual o Brasil faz parte, que estabelece metas de redução desses gases entre 2008 e 2012. 
Entre as regras estabelecidas pelo protocolo estão os chamados “mecanismos de flexibilização”, expressão nascida nos Estados Unidos, na década de 1980, para enfrentar a chuva ácida. Trata-se de um sistema de compra e venda de emissões de dióxido de enxofre (SO2), gás considerado o principal culpado pela chuva ácida. O sistema foi chamado de cap-and-trade (limitar e comercializar, em inglês), ou seja, a fixação de um limite de emissões. Na época, as empresas que conseguissem baixar as próprias emissões ganhavam o direito de vender “créditos” de poluição para aquelas que não tinham conseguido fazê-lo no prazo estabelecido. Deu certo. O sistema foi responsável pela queda dos índices de poluição e chuva ácida nas cidades americanas nos últimos anos.

Adaptação do sistema

O Protocolo de Kyoto adaptou o sistema cap-and-trade aos novos tempos. Funciona assim: nações desenvolvidas, que conseguem reduzir suas emissões abaixo de um certo patamar em determinados setores (energético, indústria de base etc), ou de acordo com o estabelecido para os seus países, podem vender seus créditos de carbono a quem tenha dificuldade em cumprir sua parte. Esses créditos são negociados em bolsas de valores como qualquer commodity. 
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) é outra forma de negociar esses créditos. Segundo essa cláusula do Protocolo de Kyoto, países ricos, cujo modelo de desenvolvimento contribuiu fortemente para o aquecimento global, podem pagar por projetos de redução de emissões de gases em nações que não têm a obrigação de reduzi-las, como o Brasil, Índia, China e outros. Parte-se do princípio de que a atmosfera é a mesma para todos, portanto, cada tonelada de carbono ou metano que deixar de ser emitida ou for retirada da atmosfera, beneficia todo mundo. 
Nas próximas páginas, você vai conhecer como o MDL já está sendo utilizado em várias atividades e tende a crescer nos próximos anos. Empresas e setores dos países pobres ganham com o sistema não só recompensas ambientais como financeiras. Para o futuro, vão poluir menos e estabelecer parâmetros sustentáveis bem diferentes daqueles que nortearam o desenvolvimento das empresas movidas a petróleo e carvão dos países ricos.


A energia limpa que vem do lixo

O metano dos aterros, que contribui para o aquecimento global quando lançado na atmosfera, pode abastecer a sua casa de eletricidade

O que o lixo de cada dia tem a ver com o aquecimento global? Muito. Desde a extração de minérios que compõem a matéria-prima dos produtos que vão virar resíduo até o descarte após o uso, tudo o que o ser humano consome emite gases de efeito estufa – o fenômeno que dá origem ao aquecimento global. Nessa cadeia de produção está incluída a energia gasta na sua fabricação, no transporte, na comercialização, na utilização e no destino final – os aterros sanitários. É nessa última etapa que estão concentrados os maiores esforços para reduzir os gases que contribuem para o aquecimento global.
A decomposição do lixo orgânico nos aterros gera altos índices de metano (CH4), o mais potente gás de efeito estufa. A coleta seletiva para a reutilização dos resíduos nas indústrias reduz o despejo desse material e, portanto, diminui também as suas emissões. Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 59 milhões de toneladas de carbono deixaram de ir para a atmosfera em 2008 por causa da reciclagem de 35% do lixo produzido pela população.
O caminho mais utilizado para evitar emissões, porém, é a queima de gases dos aterros sanitários com o objetivo de gerar energia elétrica – um benefício adicional dessa medida. No Brasil, um terço dos projetos de crédito de carbono aprovados até fevereiro de 2009 está relacionado à redução de metano – entre eles, 30 projetos são realizados em aterros sanitários.
A tecnologia de obtenção de energia em aterros pode ser executada em locais desativados. Foi o que aconteceu no Aterro Bandeirantes, em São Paulo, esgotado há dois anos. Durante três décadas, o aterro recebeu a metade do lixo produzido diariamente na capital paulista, acumulando um total de 30 milhões de toneladas de resíduo. Essa matéria-prima agora é utilizada como fonte de metano, drenado e levado por tubulações até uma usina de energia equipada com 24 geradores que transformam o calor em eletricidade, injetada na rede de distribuição da Eletropaulo. 
Além do ganho com a venda de energia (R$ 170 por MW/h), o projeto comercializa créditos de carbono. O plano é vender o equivalente a 600 mil toneladas de carbono por ano até 2015, gerando uma receita de quase R$ 100 milhões para a prefeitura paulistana no período. A primeira venda ocorreu em 2007 na Bolsa BMF Bovespa. No ano seguinte, foram comercializados também os créditos referentes à energia limpa gerada pelo Aterro São João, também em São Paulo.

As vantagens da energia renovável

O investimento em biomassa, energia eólica e pequenas hidrelétricas proporciona créditos e deve ser ampliado no futuro

C om o agravamento das previsões dos cientistas sobre o aumento do aquecimento global, fica cada vez mais urgente a necessidade de substituir combustíveis como petróleo e carvão – responsáveis pelas emissões de gases – por fontes limpas de energia. O tema deixa de ser apenas um sonho de ambientalistas e começa a ser um negócio lucrativo. No agronegócio, por exemplo, o Brasil pode ganhar por ano em torno de U$$ 160 milhões com a venda de créditos de carbono obtidos mediante a utilização da biomassa para gerar energia. O maior potencial está nos cultivos de cana-de-açúcar, que hoje cobrem 7 milhões de hectares no país, com previsão de aumentar 50% até 2015 em decorrência da expansão do uso de biocombustíveis.
Cada megawatt por hora de energia produzida pelo bagaço da cana evita que mais de meia tonelada de CO2 seja lançado na atmosfera – caso essa energia fosse obtida por óleo combustível ou carvão mineral. “Além de combater o aquecimento global, a biomassa traz vantagens comerciais para as indústrias de açúcar e álcool”, afirma Ivan Zanatta, do grupo Jalles Machado, proprietário de usinas em Goiás. Na última safra, a empresa moeu 2,2 milhões de toneladas de cana. 
Entre 2001 e 2007, o bagaço de cana produzido pela empresa como fonte de energia evitou a emissão de 60 mil toneladas de CO2 e o projeto é deixar de emitir o dobro desse volume até 2014, quando a empresa tiver equipamentos mais eficientes para aumentar a geração e vender eletricidade para cidades no Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Energia do vento

Mas não só a biomassa é fonte de negócios de carbono. A energia eólica e as pequenas centrais hidrelétricas também proporcionam esse tipo de receita. Impulsionados nos últimos anos pelo Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), os empreendimentos credenciados têm garantida a compra de energia pelo setor elétrico brasileiro. Até dezembro de 2008, o programa aprovou 144 projetos capazes de gerar energia suficiente para evitar a emissão atmosférica de 2,8 milhões de toneladas de carbono anuais, podendo valer R$ 100 milhões por ano com a venda de créditos de carbono. 
“O valor pode ser muito maior se for levado em consideração o potencial ainda não explorado para as fontes alternativas no Brasil”, afirma Roberto Meira, do Ministério das Minas e Energia. Até 2017, segundo plano do governo federal, o país produzirá 6,2 mil megawatts de biomassa, ventos e pequenas hidrelétricas – quase o triplo da geração atual.
O mercado de carbono atrai empresas estrangeiras, como o Grupo EDP de Portugal, dono de quatro pequenas hidrelétricas no Espírito Santo e Mato Grosso do Sul que, até 2012, devem ter um crédito de 1 milhão de toneladas de CO2 que deixaram de ser emitidas. Parte do crédito foi negociado com a própria matriz da empresa na Europa, abatendo essa redução das cotas obrigatórias do país. “A receita, no entanto, foi investida no Brasil, para proteger nascentes, gerar renda para artesãos e melhorar a qualidade de vida no entorno das usinas”, afirma Pedro Sirgado, diretor do Instituto EDP.

As novas opções para o futuro

Projetos de reflorestamento e desmatamento evitado e o mercado voluntário oferecem novas possibilidades

Projetos de conservação de florestas, embora importantes para evitar o aquecimento global, ainda não fazem parte das possibilidades de negociação de créditos de carbono do Protocolo de Kyoto. Apenas plantios e reflorestamento têm direito a participar desse mercado, comercializando as toneladas de carbono captadas pelas árvores durante o metabolismo vegetal. Mas a procura ainda é pequena. Até o momento, apenas 1% de iniciativas nessa área foram aprovadas no âmbito do MDL. 
Mas a tese do “desmatamento evitado” entra nas negociações que devem ocorrer a partir da reunião internacional prevista para Copenhague, em dezembro de 2009, visando substituir o Protocolo de Kyoto após 2012. A proposta é que países com florestas tropicais, como o Brasil, recebam investimentos caso consigam reduzir suas taxas de desmatamento abaixo de um certo patamar. Já existe a possibilidade de um fundo voluntário, no qual os países ricos depositam dinheiro para bancar projetos de desenvolvimento sustentável nas nações com florestas para que elas não precisem mais desmatar para crescer.
Nesse caso, a redução das emissões de gases não pode ser descontada das cotas obrigatórias dos países ricos, como ocorre no mecanismo oficial. Mas os créditos de carbono também valem dinheiro, sendo negociados em bolsas de valores. São procurados por uma questão de marketing, no conceito de “crédito carismático”, para diferenciar produtos e processos industriais que contribuem para amenizar as mudanças climáticas. O mercado voluntário movimentou U$$ 116 milhões em 2008 no mundo – 75% mais do que no ano anterior.
O Fundo Protótipo de Carbono do Banco Mundial aprovou o primeiro projeto brasileiro de substituição de carvão mineral utilizado na produção de ferro-gusa. Em Minas Gerais, o minério é obtido com ajuda do carvão vegetal gerado na queima de eucalipto. Cada tonelada de ferro-gusa produzida com biomassa renovável gera um ganho ambiental de 3 toneladas de dióxido de carbono. 
A lista de projetos que negociam créditos de carbono é grande – da queima de combustíveis pelo transporte e setor energético a práticas agrícolas mais sustentáveis. Entre esses últimos, destacam-se os que geram energia a partir do esterco de porcos, como o conduzido pela Sadia em parceria com mais de mil propriedades de suinocultores no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso. A suinocultura tem alto potencial de emissões, gerando carga orgânica 25 vezes maior que a do esgoto humano. Para obter créditos de carbono, gases antes liberados no ambiente são agora usados para produzir biofertilizantes, substituir o gás de cozinha (GLP) e gerar eletricidade para abastecer as granjas.

                                                

                                                                   
                

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