SEQUESTRO DE CARBONO EM TERRAS INDÍGENAS, ESTACIONA O AQUECIMENTO GLOBAL.




Ao afirmar que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente”, a Constituição de 1988 assegura aos povos indígenas o direito à demarcação das áreas que habitam. Um novo estudo aponta um argumento extra a favor da demarcação: ela ajuda a diminuir a emissão de gases estufa.


A prática é uma forma eficiente de manter essas florestas de pé e, consequentemente, impedir a emissão de gases causadores do aquecimento global, segundo o estudo “Por um patamar de captura de carbono em terras coletivas”, das ONGs ambientalistas Rights and Resources Initiative, Woods Hole Research Centre and World Resources Institute. Ele foi publicado na terça-feira (1). Preservar as florestas é importante para combater o aquecimento global porque, ao produzir açúcar e a celulose que fazem parte de sua estrutura, árvores capturam carbono. E quando elas são destruídas, liberam esse carbono em gases causadores do efeito estufa: CO2 e metano. A pesquisa considerou 37 países, cobrindo a porção tropical do continente americano, África e Ásia.


 As áreas ocupadas por indígenas e outros povos tradicionais contêm pelo menos 54,54 milhões de toneladas métricas de carbono, o que representa pelo menos 24% de todo o carbono acumulado sobre a superfície terrestre. A soma leva em consideração tanto terras já demarcadas quanto outras que são apenas ocupadas por esses povos. No caso do Brasil, só as terras formalmente asseguradas a povos tradicionais capturam 14,69 milhões de toneladas métricas de carbono. É mais do que o dobro do que o segundo colocado, a Indonésia, que não conta com reservas. O argumento do relatório é de que a demarcação deve ser encarada como uma política pública eficaz contra o aquecimento global, e pode ser inclusa entre planos para implementar tratados internacionais de diminuição da emissão de gases estufa. Atualmente, o Brasil figura entre os maiores emissores de gás carbônico, o principal causador do efeito estufa, do mundo. O país tenderia a cair posições no ranking se não fosse pelo desmatamento e por queimadas, utilizadas em grande medida para preparar terreno para pecuária e agricultura.




Qual o papel dos povos tradicionais na preservação- O estudo cita o caso brasileiro para defender a demarcação como uma forma efetiva de diminuir a emissão de gases estufa. Segundo o trabalho, florestas sob posse de povos indígenas e outros grupos tradicionais no país estocam em suas estruturas 36% mais carbono por hectare e emitem 27 vezes menos dióxido de carbono por  desflorestamento do que as que não estão sob controle de comunidades tradicionais. O trabalho afirma que mesmo essa estimativa é, no entanto, modesta, porque ela não dá conta de todos os territórios tradicionalmente habitados e reivindicados por povos indígenas.




Preocupações relativas à demarcação no Brasil -O governo de Dilma Rousseff foi criticado por ter sido o que menos demarcou terras indígenas desde a redemocratização do país, além de ter promovido grandes obras de infraestrutura, como a usina de Belo Monte, sem levar em conta as comunidades locais, incluindo as indígenas. Segundo informações da Funai, 30% das terras indígenas ainda não foram demarcadas no Brasil. Ambientalistas, temem, porém, que a situação piore no atual governo. Em uma reportagem na qual comenta o relatório, o jornal britânico “The Guardian” menciona, a preocupação de que “o novo governo de centro-direita de Michel Temer acelere a tendência [de destruição de florestas]”.  “Como esse relatório mostra, se o Brasil fortalecer seu respeito pelo direito de terras indígenas, ele será capaz de contribuir mais com o acordo de Paris. Será para benefício próprio. Eles [os brasileiros] podem medi-lo em termos da quantidade de toneladas de carbono que estarão sendo conservadas”, afirma Victoria Taulo-Corpuz, relatora especial da ONU sobre o direito de povos indígenas, em entrevista ao “Guardian”.


 Em um almoço com membros da Bancada Ruralista em julho deste ano, o presidente Michel Temer reconheceu que a demarcação de terras é uma questão a ser abordada. “A Constituição, em suas disposições transitórias estabeleceu um prazo de cinco anos para a demarcação das terras indígenas e isso nunca foi feito”, afirmou. Aos representantes do setor rural, ele disse que lidará com o problema sem prejudicar povos indígenas, mas não deixou claro como isso será feito. “Nós vamos tomar conta disso. Vamos tentar solucionar esse problema. E quando digo isso, não é para agredir a nação indígena, ao contrário, é, mais uma vez, para dar estabilidade social ao país”, disse.


Demarcação não é usada como política contra aquecimento- Embora os números mostrem que as terras ocupadas pela população indígena têm um papel importante contra a emissão de gases do efeito estufa, a maior parte dos planos nacionais contra mudanças climáticas não foca no assunto. Dentre os 188 signatários originais do Acordo de Paris - que prevê o limite de aumento da temperatura global em 1,5º C frente a níveis pré-industriais - apenas 21 se comprometeram a adotar políticas relativas à manutenção de terras de povos tradicionais.

                                                            


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