SERRA DO DIVISOR: A AMAZÔNIA PRESERVADA, ISOLADA E DESCONHECIDA.

     

Talvez seja um dos lugares mais remotos do território brasileiro. No extremo oeste do país, entre o Estado do Acre e o Peru, esparramam-se os mais de oito mil quilômetros quadrados do Parque Nacional da Serra do Divisor, cerca de um terço do Estado de Sergipe, o quarto maior parque nacional brasileiro. Criado em 1989 como Área de Proteção Ambiental, o parque é banhado pelo rio Juruá, afluente do Amazonas, e um dos locais mais intactos da região – apenas 3% foram desmatados. 
                                                                       


Não é exatamente mérito das preocupações ambientais do ser humano. Trata-se de uma região inóspita, de difícil acesso até mesmo para quem não mede esforços para isso – como o repórter que fez as fotos desta matéria.

Seja como for, a natureza agradece. Considerado o abrigo de uma das biodiversidades mais expressivas da Amazônia, o parque abriga 102 espécies de mamíferos, 485 de aves, 101 de anfíbios, 30 de répteis e 299 de aranhas. O ser humano é representado pelos índios nuquinis e o povo ribeirinho que vivem dentro de seus limites.

Situada numa área de transição entre as terras baixas da Amazônia e a Cordilheira dos Andes, a Serra do Divisor é ocupada na maior parte pela Floresta Tropical Aberta, que se subdivide em Aberta de Cipó e Aberta de Palmeira. A primeira caracteriza-se pelo relativo espaçamento entre árvores como juá, castanha-de-periquito, taperebá, inharé e outras. A segunda apresenta grandes agrupamentos das diversas espécies de palmeiras, como paxiúba-barriguda, paxiúba-lisa, patauá, açaí, jaci, murumuru, inajá e jarima.

As peculiaridades dessa porção extrema de terra começam pela própria Serra do Divisor, cujos picos, de até 650 metros de altura, separam as águas da bacia dos rios Ucayali, no Peru, e Juruá e Moa, no Brasil. A influência andina vinda do país vizinho é leve, mas presente. Durante a madrugada, uma brisa enfrenta o forte calor úmido e tropical da Amazônia, derrubando as temperaturas para cerca de 13 graus.

                                                                  


Os índios nuquinis, cujo território num passado remoto ia além da fronteira com o Peru, foram totalmente aculturados, principalmente pelo intenso envolvimento deles com o ciclo da borracha, ocorrido na Amazônia entre os anos de 1879 e 1912. Formada atualmente por apenas 600 pessoas assentadas às margens do rio Moa, a padroeira da igreja local é a Nossa Senhora de Guadalupe, um claro sinal do sincretismo religioso ocorrido no processo de colonização luso-espanhola.

Diferentemente dos nuquinis, os caboclos vivem de maneira dispersa dentro da área do parque, concentrando-se mais ao norte. A aglomeração de algumas casas forma pequenas comunidades, mas muitas delas estão isoladas, e o vizinho mais próximo pode estar a vários quilômetros de distância.

                                                             



                                                          Belezas reveladas
O apurado senso de localização de Lauro, também conhecido por Bilau, não serve apenas para abater pacas, tatus, veados, antas e queixadas. O GPS natural desse caboclo de 63 anos é muito útil também na hora de mostrar aos forasteiros as principais atrações do parque, como o cânion do rio Moa, que fica no pé da Serra da Jaquirana, um vale encaixado por paredões verticais de 10 metros de altura cobertos por vegetação. 

Entre uma prosa aqui e outra ali, seu Bilau vai apresentando lugares tão belos quanto estranhos. O Buraco da Central, um poço de 1 metro de diâmetro por 1.600 metros de profundidade, é um deles. A reputação da cratera encravada no meio do rio Moa se justifica: cavado na década de 30 pela Agência Nacional de Petróleo, o buraco não expeliu o esperado combustível fóssil, mas jorra até hoje uma água sulfurosa e aquecida. A força do jato d’água é tão grande que impede as pessoas de afundarem no abismo. Parecem levitar. 
Para se refrescar na Cachoeira Formosa, a mais alta (12 metros) e bonita do parque, é preciso um bocado de fôlego. São pelo menos quatro horas de caminhada num percurso cheio de subidas e trechos alagados. Em meio à trilha e as revoadas de maçaricos, bicos-de-brasa, nambus, japiins, socós e araçaris, é comum se deparar com bichos preguiças, queixadas e macacos. Com uma boa dose de sorte, ou azar, é possível avistar onças-pintadas.

No Morro Queimado, numa área descampada chamada de Mirante da Jaquirana, a vista panorâmica da floresta revela todas as suas formas e cores. Dali é possível ver não só a grande extensão de mata intocada. Do alto dos 420 metros dá para entender a razão de o Parque Nacional da Serra do Divisor ser um mundo tão isolado, desconhecido e, acima de tudo, diferente. 

                                                             


     Viagem ao fim do mundo


Foram 18 horas de viagem para chegar ao parque, 12 das quais serpenteando pelos 80 km de curvas do pequeno rio Moa. Durante todo o tempo, o que mais chamou a atenção foi o número de barcos de pequeno porte transportando de tudo. Tudo mesmo. Botijão de gás, mantimentos, sacos de farinha, caixas de bananas e famílias inteiras apinhadas em canoinhas. Sem falar dos bois, cavalos, cabritos e animais de todo gênero e tamanho sendo levados para serem vendidos na cidade ou vice-versa. As mudanças de cenário contrariam o imaginário dos rios do norte. No alto Moa, a floresta se aproxima das margens, os morros vão ganhando o céu e grandes formações rochosas encobertas pela vegetação vão formando cânions de mais de 30 metros de altura. Paisagem totalmente diferente de outras que vi em minhas andanças pela Amazônia. Peguei carona num helicóptero do Ibama que fazia o monitoramento do parque nacional para reprimir ações de traficantes de drogas e madeireiros peruanos. Durante três horas voamos à procura dos contraventores. A 10 metros da copa de árvores gigantescas dava pra ver toda a variação da topografia. Nessa parte da Amazônia os morros chegam a 650 metros de altura e o Moa risca o tapete verde ondulado com suas inúmeras curvas, fazendo-o parecer uma grande serpente abrindo caminho pela floresta. Naquele voo não avistamos nem traficantes nem madeireiros, mas a simples experiência de voar sobre a fronteira do Brasil com o Peru numa das regiões mais remotas do planeta foi o bastante para tornar nossa empreitada uma grande viagem.

                                                                

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