SOBREPESCA: A EXTINÇÃO DO PESCADO E O RISCO AO EQUILíBRIO DA FAUNA MARINHA.



A fiscalização, insuficiente do ponto de vista ambiental, é considerada excessiva pelos pescadores. Jorge dos Santos, que, como bió­logo e pescador, conhece bem os dois lados dessa história, pondera que o setor enfrenta mesmo muitas dificuldades e que, por isso, é difícil levar adiante medidas para diminuir a pesca excessiva. “E ficamos com esse dilema. A pesca é o ganha-pão de muita gente, então não podemos proibir, mas, se não acharmos um jeito de controlar a atividade, esse ganha-pão vai acabar”, resume. Talvez por isso nenhum país tenha até hoje conseguido, na avaliação do engenheiro de pesca e analista ambiental do Ibama José Dias Neto, um bom resultado na gestão da pescaria sustentável. “Essa é a razão pela qual se enfrenta hoje uma crise planetária na pesca”, diz.

A cientista Sylvia Earle, oceanógrafa renomada, responde a algumas questões que elucidam a prática predatória da pesca
em todo mundo :

Você desceu às profundezas do oceano muitas vezes. Alguma delas a tocou mais do que as outras?
A ocasião em que eu vesti uma roupa chamada Jim, parecida com a dos astronautas, e desci a 400 metros de profundidade, me marcou muito. Até então nós não conhecíamos nada dessa camada do oceano. O máximo que tínhamos feito era recolher grandes tesouros vivos das profundezas, jogar no deck do barco e analisar. Mas não tínhamos a menor noção de como eles funcionavam juntos. Eu fiquei lá por 2h30. Para mim, claro, foi viciante. 


Foi por isso que resolveu começar a construir submarinos?
Para usar um submarino, era preciso entrar em uma fila de cientistas e dizer o que iria encontrar. Mas eu não acho que deveria ser necessário antecipar os resultados de pesquisas em lugares que nós nunca estivemos antes. Então eu abri três empresas, trabalhei com engenheiros para desenhar, desenvolver e produzir equipamentos para explorar os oceanos. Um deles, o Deep Rover, chega a mil metros de profundidade e eu tive o prazer de levá-lo até lá. Fiquei 11 horas embaixo d’água na costa do México. As criaturas eram atraídas pela luz e se aproximavam. Depois eu desliguei as luzes e experimentei a luminescência das próprias criaturas. Todo mundo deveria pelo menos colocar uma máscara e dar uma olhada para a parte azul do nosso planeta. 


Desde que mergulhou pela primeira vez até agora, você observou muitas mudanças nos ecossistemas marinhos?
Sim, muitas. Noventa por cento dos peixes de algumas espécies grandes, como tubarões e atuns, desapareceram. Fizemos um excelente trabalho em sua transformação em commodities. Eu posso entender e perdoar aqueles que, no passado, começaram essa matança. Eles não sabiam qual era a importância da fauna marinha. Nós não sabíamos que 70% do oxigênio vêm dos micro-organismos que vivem nos oceanos. Agora sabemos e o problema é que descobrimos tarde. Ainda há tempo para salvar o planeta, mas não há tempo a perder. Nosso desafio é estabilizar as perdas, recuperar o que pudermos. Não porque amamos as baleias e os golfinhos, mas porque isso é importante para a nossa economia, nossa segurança, nossa saúde. 


É possível recuperar as perdas?
Não podemos voltar atrás, mas podemos fazer melhor do que estamos fazendo. Ainda temos 10% dos tubarões, metade dos corais ainda está saudável. Precisamos proteger o que restou. 


Qual é a maior ameaça para os oceanos?
Sobrepesca. Ela reduz a resistência dos oceanos desmembrando as partes vitais que o fazem funcionar. É como pegar uma cidade e tirar supermercados ou algumas ruas. Em pouco tempo, essa cidade não vai funcionar como antes. Você tira os camarões, as tartarugas, os tubarões e acontece o mesmo. 


É possível alcançar uma pesca sustentável?
A merluza negra, um peixe típico da Patagônia, leva 30 anos para amadurecer e gerar filhotes. Não é possível extraí-lo de forma sustentável, independentemente do quanto calcularmos. Atuns levam de dez a 14 anos para atingir a maturidade, tubarões levam 20 anos. Quanto mais no topo da cadeia alimentar está a nossa comida, mais cara ela fica. É por isso que comemos animais vegetarianos, como vacas, e não carnívoros, como leões. Só que atuns e tubarões, por exemplo, estão muito acima dos leões na cadeia dos oceanos. Leões comem animais vegetarianos, atuns e tubarões comem outros carnívoros. Estamos atacando o topo da cadeia marinha. 


O fato de os ecossistemas marinhos estarem tão distantes dificulta a conscientização da sociedade sobre a sua importância? 
Às vezes as pessoas me perguntam por que deveriam se importar se as baleias morrerem. Já ouvi até pessoas dizerem que se os oceanos secarem, isso não fará diferença para elas. É um profundo desconhecimento de que a nossa vida depende, em primeiro lugar, da água – não apenas do material físico, mas da água combinada com a vida que gera oxigênio. Eu digo sempre que sem água não há vida, sem azul, não há verde. O meio científico já sabe, agora precisamos garantir que todos saibam.

                                                    

Comentários