UNIDADES DE CONSERVAÇÃO PROTEGEM A FLORESTA, NO AMAPÁ.

Terras indígenas, reservas ecológicas e parques nacionais são criados no Amapá para conter o avanço
dos madereiros ilegais vindos de outras partes da Amazônia e do Pará.

                                                               


São 193 quilômetros ou seis horas de viagem na velha estrada de ferro que corta a Floresta Amazônica e os campos de cerrado do Amapá, ligando o município portuário de Santana, na foz do Rio Amazonas, à cidade de Serra do Navio, região central do Estado. Depois da estação de Serra do Navio, cidade construída em plena floresta na década de 50 para abrigar um complexo de mineração de manganês, hoje desativado, não há nenhum vestígio de civilização – pelo menos aparente. Tomamos o trem para explorar aquele pedaço pouco conhecido da Amazônia, como parte de nosso objetivo de percorrer todo o Amapá, considerado o Estado mais bem preservado do país. O maquinista Antônio Rocha Brandão, 41 anos, há 16 no comando da locomotiva americana GM a diesel, de 1956, olha pela janela e observa: “Não se vê mais apenas mata fechada; há cada vez mais queimadas”.

Apesar dessas ameaças à sua biodiversidade, o Amapá tem motivos para se orgulhar. Segundo dados oficiais, o Estado ainda conserva 93% de sua cobertura vegetal original. Mais do que isso: possui 55,2% de sua área protegida por unidades de conservação, como parques nacionais, reservas ecológicas e terras indígenas (veja mapa nesta reportagem). A meta do governo estadual é aumentar essa porcentagem para 80% em 2006. A criação de reservas não se restringe à defesa da floresta, mas ao cerrado – ecossistema frágil, que cobre 6% do Estado e começa a ser ameaçado pela expansão de cultivos agrícolas. “Nosso objetivo é formar um escudo de blindagem contra a invasão de madeireiros ilegais e grileiros vindos de outras partes da Amazônia”, explica Jessejames Lima da Costa, chefe da Divisão de Unidades de Conservação da Secretaria de Meio Ambiente do Amapá.

Um relatório elaborado pelo Ibama (Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) dá uma idéia do perigo que ronda o Estado: após o assassinato, em fevereiro de 2005, da missionária americana Dorothy Stang, que defendia a demarcação de terras no município de Anapu, no oeste do Pará, houve um aumento de fiscalização naquela região, forçando os madeireiros a migrar para a divisa com o Amapá. “Já há sinais da instalação de madeireiras e a abertura ilegal de estradas para o escoamento das toras, nas margens do Rio Paru, no norte do Pará”, alerta o documento. O lugar situa-se bem próximo ao território amapaense.

Outro tipo de ameaça ronda o Amapá: os garimpos. Em fevereiro de 2005, um sobrevôo de fiscalização do Ibama na região da Estação Ecológica do Jari – reserva de 227 mil hectares criada na década de 80 para barrar o avanço dos cultivos de eucalipto e reduzir sua pressão sobre a mata nativa – detectou 15 garimpos ilegais. “Sabemos que há mais de 40 deles na região”, afirma Willem Kempers, analista ambiental do Ibama em Monte Dourado.

Em Laranjal do Jari, os sinais da febre do ouro estão em toda parte. Existem nesta pequena localidade três aeroportos – e pelo menos dois servem de base para pouso e decolagem de aviões para os garimpeiros. Não há fiscalização. O Ibama tem apenas um fiscal para vigiar 115 mil km2, área equivalente a três vezes o Estado do Rio de Janeiro. As promessas de emprego na produção de eucalipto, somadas à multiplicação de garimpos, atraíram brasileiros de toda parte para a cidade e fez a população aumentar de 26 mil para 50 mil habitantes, nos últimos cinco anos, segundo estimativa da prefeitura local. O aumento pode ser constatado pela proliferação de favelas na beira do Rio Jari.

“Não temos como crescer”, alerta Elisson Savaris, secretário municipal de Meio Ambiente de Laranjal do Jari. Savaris se refere à falta de atividades econômicas, que impedem o desenvolvimento do município. Noventa e nove por cento do território de Laranjal do Jari está situado em áreas de preservação federais ou estaduais. “A pressão sobre a floresta é muito grande”, constata o secretário municipal, acreditando que a criação de áreas florestais protegidas por lei e fechadas para a exploração econômica também traz problemas, pois restringe o desenvolvimento.

Focos de queimadas para abrir cultivos se alastram para dentro de áreas preservadas, como ocorre com freqüência na Reserva Extrativista do Rio Cajari, nos arredores de Laranjal do Jari. A única atividade econômica ali permitida é a exploração sustentável de castanha, óleos vegetais, açaí e palmito pelos moradores locais.


Na reserva, em junho de 2005, foi inaugurada uma usina de beneficiamento de castanha-do-Brasil. O produto é vendido para várias regiões do país, por meio de uma cooperativa que reúne 70 trabalhadores. O sistema eliminou intermediários e conseguiu melhores preços. “Os catadores de castanha chegam a ganhar R$ 8 mil na época da safra. Antes, conseguiam no máximo R$ 800”, informa Marinaldo Vicente, 35 anos, exibindo a motocicleta que adquiriu com a nova renda.

A reserva de Cajari faz parte do mosaico de áreas protegidas que compõem o Corredor de Biodiversidade do Amapá, criado em 2003 pelo governo estadual. O objetivo do corredor é prevenir e reduzir a fragmentação da floresta por meio de uma rede de áreas protegidas, buscando uma conexão entre elas. Dessa forma, se consegue o que os biólogos chamam de fluxo genético entre populações de espécies e a conservação da fauna e da flora. O modelo vem sendo proposto por organismos de conservação da natureza também em outras partes do Brasil e do mundo.

No Amapá, essas áreas de difícil acesso e quase inexploradas são o cenário de expedições organizadas por entidades ambientalistas internacionais. A Conservação Internacional, uma dessas ONGs, realizou desde 2004 oito expedições científicas ao Amapá, nas quais foram estudadas mais de 100 espécies de mamíferos, 300 de aves e 90 de répteis. Durante as incursões, os cientistas descobriram espécies raras, como o lagarto Amapasaurus tetradactylus, que há 35 anos não era avistado na região. O objetivo é obter dados biológicos, para juntar aos sociais e econômicos, visando construir um plano de manejo, ou seja, um conjunto de regras que garantam o uso adequado das áreas protegidas do corredor.

As expedições constituem grandes aventuras.“No Parque Nacional do Tumucumaque, um dos maiores e mais isolados do país, transpomos rios encachoeirados, carregando barcos de madeira, equipamentos e mantimentos nas costas”, recorda Enrico Bernard, 31 anos, biólogo da Conservação Internacional. “Mas o esforço valeu a pena. Vivemos a emoção de pisar em locais isolados, onde provavelmente nenhum ser humano esteve antes, como a tríplice fronteira entre Brasil, Guiana Francesa e Suriname.”

Em abril de 2005, os ambientalistas da Conservação Internacional visitaram a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, criada em 1997, com 806 mil hectares, para interligar o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque à Reserva Extrativista do Rio Cajari. O lugar é refúgio de espécies em extinção, como tamanduás-bandeiras, ariranhas e onças pintadas. Castanheiras, mognos e abiuranas, entre outras espécies vegetais, completam o acervo desse tesouro natural que começa agora a ser dimensionado.

Chegamos à reserva de Iratapuru pelo Rio Jari, poucos dias após o término de uma expedição realizada por outra organização ambientalista – a WWF, em agosto de 2005. “Foi difícil ultrapassar as corredeiras e um dos barcos acabou afundando”, recorda o morador da reserva, Eudimar Viana, 23 anos. Eudimar fez parte do grupo de apoio, do qual participaram caciques e castanheiros experientes. “Sem eles, teria sido impossível alcançar pontos isolados, abrindo caminho na mata com facão ou pilotando barcos em igarapés da reserva, sem risco de encalhe em bancos de areia”, conta o biólogo Marcelo Creão, chefe do grupo da WWF, que pegou malária durante a expedição.

No extremo norte do Estado, atingimos a borda do Parque Nacional do Cabo Orange – cenário de outra expedição científica, também promovida pela WWF. Foram sete horas de viagem, a partir de Macapá, até chegar ao limite sul do parque, na vila litorânea de Goiabal. Na região, já acima da linha do Equador, a Amazônia encontra o Oceano Atlântico. Incêndios criminosos ameaçam a região, incluindo a área protegida por lei, uma das primeiras deste tipo criadas na Amazônia. O parque protege uma grande variedade de paisagens – das florestas aos mangues – que servem de refúgio, alimento e local de reprodução de espécies animais, como o peixe-boi amazônico e marinho, a suçuarana e aves, como o guará e o flamingo. Os limites do Orange avançam na plataforma marítima continental, abarcando também um significativo trecho de oceano, freqüentado por barcos pesqueiros de grande porte de outros estados e até do exterior. Em muitos casos, essas embarcações praticam pesca predatória, ameaçando os cardumes. O lugar abriga também sítios arqueológicos pouco explorados pelos cientistas. Mas, sem um plano de proteção, o futuro do parque é incerto – ainda mais depois que estiver concluída a obra de asfaltamento da rodovia que liga Macapá à cidade do Oiapoque, no extremo norte do país, facilitando a ocupação de áreas antes de difícil acesso. É uma luta contra o tempo. E contra o progresso sem planejamento que não traz benefícios duradouros às populações da floresta.


No rastro do manganês
Serra do navio busca alternativas para mineração

A cidade de Serra do Navio abrigou o primeiro grande projeto de mineração da Amazônia. A partir de 1956, a mineradora brasileira Icomi, associada a uma multinacional americana, extraiu daquelas colinas de floresta milhões de toneladas de manganês de ótima qualidade. A empresa encerrou as atividades em 1997. Como legado daqueles tempos, restaram florestas degradadas, montanhas de minério de baixo teor, que não chegou a ser comercializado, e desemprego. Com 72% do território dentro dos limites do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, o município vive atualmente dois dilemas: como evitar que a vila, referência mundial de projeto urbanístico no passado, se transforme em cidade fantasma? Como criar alternativas de emprego e renda sem destruir a natureza?
Transformar o lugar em museu a céu aberto, revelando a importância que teve a mineração para o desenvolvimento regional, é uma proposta. O ponto de partida, segundo os planos do governo estadual, é realizar um trabalho de arqueologia industrial para resgatar a história do lugar – projeto que será executado pelo Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco. A antiga estrutura da mineração – caminhões, tratores, esteiras industriais, guindastes, oficinas mecânicas e vários galpões – está abandonada ao relento (foto abaixo). “A vila precisa ser revitalizada”, diz o secretário de turismo Gilson Torres. São 350 casas, escola, hospital e supermercado, além da velha estrada de ferro usada no transporte do minério até Santana, na foz do Rio Amazonas.

Milagres do breu-branco
Extrativismo organizado garante renda aos trabalhadores

A casca de uma espécie de árvore amazônica, que mais parece ser formada de lascas esbranquiçadas de carvão queimado, está alterando a vida da população da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, no sudoeste do Amapá. O breu-branco, como é conhecida a árvore, exala um perfume disputado por indústrias de cosméticos. Na reserva, a comunidade produz 300 quilos dessa essência para a empresa brasileira Natura. A parceria, iniciada em fevereiro de 2005, tem como base um contrato para acesso à biodiversidade, modelo inédito criado pelo governo estadual. A empresa paga pela matéria-prima e ainda repassa para a comunidade da floresta 5% das vendas do produto final aos consumidores. São também comercializados os óleos de castanha-do-Brasil e de copaíba. No total, a comunidade ganha cerca de R$ 600 mil por ano, investidos na melhoria da qualidade de vida da população. Além da usina para extração dos óleos, que gera 30 empregos o ano todo, a vila do Iratapuru tem escola, posto de saúde, energia solar e até Internet por satélite que funciona 24 horas.

                                                   

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