SUSTENTABILIDADE URBANA SIGNIFICA MAIS CARROS NA GARAGEM.

É preciso que as grandes cidades criem alternativas viáveis para que a população passe a usar o
transporte coletivo que deve ser confortável, regular e de qualidade para atender a população em
suas necessidades de mobilidade urbana. Veja a entrevista do idealizador da transformação ambien-
tal da cidade modelo- Curitiba(PR), o arquiteto Jaime Lerner, também consultor da ONU para
assuntos urbanísticos.


Qual é o vilão da sustentabilidade nas cidades grandes?

O grande vilão é o automóvel. Eu acho que todas as grandes reuniões de países que tratam de sustentabilidade pecam pela falta de objetividade. Vejo alguns países prometendo que vão reduzir as cotas de carbono, mas isso não é constatável e ninguém sabe direito como acontece. A verdade é que a mudança pode vir das grandes cidades, porque 75% das emissões de carbono se originam nas metrópoles. Ninguém deixa o carro em casa se não tiver uma alternativa viável, mais confortável, ou mais vantajosa. Muitos pensam que a solução é o metrô, mas quando você constata que 84% dos deslocamentos em São Paulo acontecem na superfície, então se vê que a cidade dificilmente vai conseguir ter as linhas completas de metrô. A solução é transformar o ônibus em um metrô. 


Existe em Curitiba um projeto de substituir o sistema BRT (Bus Rapid Transit) por metrô. Você concorda?

É um crime. Esse metrô não é uma solução de transporte e não vai resolver o problema. O sistema BRT foi feito para ter uma alta frequência e deveria ter prioridade nos semáforos. Mas, hoje em dia, o ônibus para em todas as esquinas e isso acarreta em congestionamento nos tubos, prejudicando a frequência. Se Curitiba começou um sistema em 1974 que é copiado por 120 cidades ao redor do mundo, por que nós vamos abandonar? 

                                                   




Como enfrentar o inchaço das regiões metropolitanas?

Não é a densidade que é ruim, o ruim é espalhar a cidade. A concentração possibilita ter mais gente para compartilhar equipamentos e serviços essenciais. A cidade tem de ter um desenho, não é só uma solução de transporte, tem de ter uma definição, uma estrutura de crescimento que seja de vida e trabalho. Hoje em dia, tem muito mais gente trabalhando em serviços, alimentação, o que possibilita viver mais perto do trabalho e é essa a visão de uma cidade sustentável. O outro ponto é a convivência. Em uma cidade que se separa em guetos, um acaba sendo inimigo do outro. Se não tem diversidade, não tem troca de serviços, as pessoas não se conhecem, o que facilita a violência. 


O que o senhor acha do movimento de criar casas mais sustentáveis, com telhados verdes etc.? 

Eu sou mais a favor da “ecoarquitetura” do que da “egoarquitetura”, esse modismo de importar projetos de grandes museus quando, às vezes, nem se sabe o que vai ser colocado lá. O bom desenho, a preocupação com o não gastar, não desperdiçar é que é importante. A arquitetura benfeita reutiliza. Eu não gosto de desperdício, como o de obras fantásticas. A coisa quando é bem resolvida, já é sustentável.


Os parques de Curitiba funcionam para conter problemas como enchentes?

A primeira coisa é mexer o mínimo possível no solo e não tocar no traçado dos córregos e rios. A natureza é sábia, os fez sinuosos por uma razão. Ainda tem gente que pensa em canalizar os rios e isso é um erro, pois as águas vão correr com mais velocidade e vão causar enchentes. Outro problema de drenagem muito sério é o uso indiscriminado do asfalto. Se você caminhar por Curitiba, vai ver que as calçadas têm grama e as ruas também têm com condições de absorver água. Nós usamos os parques também para isso, pois melhor assim do que ter de construir um piscinão. Melhor também é proteger as margens vazias dos rios, o que ajuda a conter invasões, com equipamentos de esporte ou áreas verdes, pois, se houver uma enchente, não atinge as casas.


Em Curitiba, a parceria entre iniciativa privada e governo funcionou para a construção de áreas públicas. Essa mesma ação valeria para outras cidades?

Quando se sabe para aonde uma cidade vai, você sabe quais serão as áreas de maior densidade. Para as pessoas que têm imóveis próximos aos parques, por exemplo, às vezes é melhor oferecer o direito de construir em outros locais onde se quer adensar. Não é em qualquer área e isso não pode ser um meio de especulação imobiliária, pois é um instrumento de compensação. Esse é um acordo positivo. Não prejudica em nada erguer dois ou três andares a mais em uma região em que você quer mais densidade.


                                                                          






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