A BIODIVERSIDADE DAS POÇAS- ACÚMULOS DE ÁGUA TEMPORÁRIA.

As poças são formadas pela cheia de rios, pelas chuvas, pelo afloramento de lençóis freáticos ou pelas marés. Popularmente conhecidos como poças, esses ambientes abrigam uma biodiversidade insuspeita. 

Os ecossistemas aquáticos continentais, que abrangem lagos, lagoas, poças, rios, riachos, reservatórios, brejos e áreas  alagáveis, ocupam cerca de 2,4% da superfície  terrestre. Nesse quesito, o Brasil é um país privilegiado, pois detém 12% de toda a água doce superficial do planeta. Entre os ecossistemas aquáticos continentais, há ambientes temporários, pequenos acúmulos de água que surgem e desaparecem. Popularmente conhecidos como poças, eles podem ser formados pela cheia de rios, pelas chuvas, pelo afloramento  de águas subterrâneas e pelas marés.
As poças ocorrem em áreas mais baixas da paisagem e têm uma infinidade de formas e a particularidade de secar por completo de tempos em tempos. O intervalo entre a formação e o dessecamento de uma poça pode ser mensurado em dias, meses ou anos. A enorme variedade de formas, características e origens e a dinâmica ecológica peculiar tornam esse tipo de ambiente extremamente importante. Poças são altamente suscetíveis ao que  ocorre em seu entorno e são consideradas ambientes muito resilientes, pois conseguem se restabelecer mesmo  após eventos de seca extrema. Além disso, são cruciais para diversas espécies que precisam viver na água pelo menos em uma fase de seu ciclo de vida.

A vida nas poças 

A biodiversidade contida nas poças varia desde formas microscópicas até vertebrados. Nesses ambientes, os seres mais frequentes e numerosos são bactérias, microalgas,  protistas, invertebrados, macrófitas (plantas  aquáticas) e peixes. As microalgas de águas continentais englobam um conjunto de organismos fotossintetizantes, microscópicos e bastante diversificados do ponto de vista taxonômico, morfológico e fisiológico. Desempenham papel relevante na manutenção e no funcionamento dos ambientes aquáticos, constituindo-se um componente ecológico importante para a caracterização destes, o que faz que sejam ótimos indicadores de alterações ambientais.
                                                                       
Alterações no volume de água nas poças podem determinar diferentes composições do grupo de macrófitas em cada época do ano. É o que acontece com algumas espécies raras dessas plantas, que podem estar presentes apenas em uma época específica, durante seu período reprodutivo. Um exemplo é a espécie Utricularia physoceras, endêmica de poças da Floresta Nacional de Carajás e encontrada somente na época das chuvas. Quando o ambiente está secando, essa macrófita desaparece, mas outras  espécies similares podem surgir, como a Utricularia neottioides. Isso mostra que, em poças, pode existir uma substituição de espécies ao longo do tempo, o que eleva ainda  mais a biodiversidade das regiões onde esse tipo de ambiente ocorre.
No caso das microalgas, parte das espécies identificadas nas poças da serra de Carajás é endêmica da região Norte, enquanto outras são raramente observadas em outros ecossistemas brasileiros. Essas microalgas vivem tanto de forma livre na água quanto aderidas às macrófitas e às rochas que formam esses ambientes. Estudos conduzidos na região indicam que, em relação às microalgas, essas poças são mais diversas do que lagoas perenes vizinhas, o que evidencia a relevância desses ambientes para a conservação da biodiversidade regional.

Diversidade animal 

Os invertebrados presentes nesses ambientes seguem o mesmo alto padrão de diversidade. Muitas espécies também têm sua presença restrita a determinado período do ano, devido aos eventos de dessecação das poças. Quando os ambientes começam a encher com as chuvas, ovos resistentes depositados no sedimento eclodem, e os organismos voltam a se estabelecer na água. Isso acontece, por exemplo, com o crustáceo Dendrocephalus carajaensis, espécie recentemente descoberta nessa região.
A riqueza de espécies de invertebrados que habitam poças também  é superior à de lagoas permanentes no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no Norte Fluminense. Essas restingas foram formadas por eventos sucessivos de deposição de areia (em função do recuo e avanço do mar), dando origem a uma planície arenosa. Nas áreas mais baixas do terreno, há inúmeros  ambientes aquáticos, formados pelo represamento de rios, afloramento do lençol freático ou acúmulo de água da chuva.
                                                                                  
Os peixes que vivem nessas poças, em geral, são de pequeno porte, dificilmente ultrapassando 10 cm de comprimento, e têm múltiplas desovas durante o ano. Quando comparados aos invertebrados, às microalgas e às macrófitas, os peixes têm menor capacidade de dispersão entre ambientes isolados. Esse fato, aliado à falta de ambientes próximos, como rios e lagos, que contenham  populações  que funcionem  como estoques para recolonização, explica a ausência de peixes nas poças da serra de Carajás.Em uma poça formada pelo afloramento do lençol freático e com área de cerca de 100 m2, foram encontradas oito espécies de peixes. Entre elas, está o rivulídeo Atlantirivulus jurubatibensis, única espécie de peixe endêmica da restinga de Jurubatiba conhecida até o momento. Esse peixe, que raramente ultrapassa 5 cm de comprimento, pertence a uma família cuja maioria  dos representantes produz ovos resistentes que ficam enterrados no sedimento e eclodem no período das chuvas, comportamento que lhes valeu o nome de ‘peixes anuais’. Entretanto, A. jurubatibensis não é anual, e o dessecamento ou qualquer tipo de alteração drástica das poucas poças onde a espécie  vive são ameaças  sérias à sua sobrevivência.
Poças também são importantes para a manutenção da diversidade nos ambientes aquáticos próximos, sejam eles perenes ou temporários. Em Jurubatiba, algumas lagoas sofrem redução do volume hídrico em períodos de estiagem. Essa seca e a influência do mar adjacente promovem uma elevação de salinidade, que pode ultrapassar a concentração de sal marítima. Por não tolerarem tais condições, algumas espécies de peixes desaparecem. No entanto, essas espécies podem sobreviver em poças onde não houve grande  modificação de salinidade. No período de chuvas, voltam a ser estabelecidos canais entre esses ambientes, o que permite que as espécies de peixes se dispersem novamente para as lagoas de onde haviam sumido.

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