O DESMATAMENTO AVANÇA SOBRE A FLORESTA AMAZÔNICA,POR CAUSA DO AGRONEGÓCIO, SEM SE IMPORTAR COM AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS.


Trocar floresta por plantas exóticas tem suas consequências. O solo perde fertilidade, as plantas ficam doentes, as pragas são cada vez mais frequentes e a produção cai. Por séculos, o problema foi resolvido com a abertura de novas áreas. Até que, no final da década de 1960, a ciência pôs fim à questão com o pacote de fertilizantes químicos, pesticidas e maquinários pesados.

Com a chamada Revolução Verde, a produtividade explodiu. E o Brasil se deu bem nesse processo. Com terra e clima bons, o país virou uma potência mundial do agronegócio, com a pecuária também entrando em cena.
Pastos ocupam mais da metade da área voltada para a produção de alimentos no Brasil. (Foto: Ilustração: Guilherme Henrique)
                                                                     

Da América do Sul para o mundo, o Brasil é um dos maiores exportadores de commodities agrícolas — vendas que representaram 23,5% do PIB nacional em 2017. Temos 158 milhões de hectares de pastos, segundo o mais recente Censo Agropecuário do IBGE. São três territórios que compreendem a Espanha dedicados para os bois. Outros 63 milhões de hectares para plantações, pouco menos de uma França, sendo mais da metade (36 milhões de hectares) para grãos. Uma Suíça de milho e soja. Um processo que levou 20% da Amazônia brasileira e 50% do Cerrado, trocados por capim e grãos de outros cantos do mundo.


Cedo ou tarde, a conta chega. A vegetação retém água no solo, auxilia o líquido a infiltrar-se no lençol freático para o abastecimento de nascentes e rios. As plantas ainda bombeiam a água de volta para a atmosfera, ciclo essencial para que o ambiente fique fresco e úmido. “Uma parte bastante desmatada no setor sul do Cerrado mostrou redução de 10% nas chuvas. A vegetação nativa é importante para manter o clima mais estável, aumentar as chuvas e reduzir as temperaturas”.

A influência, porém, vai além dos limites de cada bioma. “A chuva que cai no inverno ao sul da Bacia do Prata tem muita relação com o fluxo de vapor d’água que sai da Amazônia e abastece o sistema de chuvas na região.” É a floresta que envia chuva ao Sul do Brasil e a boa parte do Sudeste, da Argentina e do Uruguai.

O resto do mundo também sente. “Não existe melhor tecnologia para remoção de carbono na atmosfera do que a fotossíntese. Ela absorve esse carbono da atmosfera e conserva na biomassa”, explica Paulo Artaxo, físico da Universidade de São Paulo e membro do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU. 

Enquanto a queima de carvão mineral — principalmente por China e Estados Unidos — para produzir energia elétrica é a principal responsável pelo aquecimento global, por aqui, com mais de 80% de energia renovável, a maior parte dos gases de efeito estufa (GEE) vem da troca de florestas por pastos ou lavouras.

Devido ao desmatamento, cada morador de Rondônia emitiu em 2016 uma média de 74 toneladas de CO2 equivalente (o cálculo de CO2 equivalente converte o potencial de aquecimento de todos os GEE). É 3,7 vezes mais do que um norte-americano, 2,5 vezes mais do que um australiano e 7,4 vezes mais do que um japonês. No Pará, a emissão foi o dobro da verificada no estado de São Paulo. Tudo pelas árvores cortadas ou incendiadas, que representam dois terços de todos os GEE liberados pelo país desde 1990.


O Acordo de Paris já é pouco: mesmo se todos os países cumprirem-no, segundo as novas projeções, a temperatura aumentará 3°C até o ano de 2100. Nós e o resto do mundo precisamos então reduzir drasticamente a emissão de CO2 e de outros gases, como o metano, até zerá-las por volta de 2050. Assim, talvez consigamos impedir que a temperatura ultrapasse 1,5°C. Para isso, calculam os cientistas, pelo menos 45% desse corte deve ser feito já em 2030.

O aquecimento atual, de pouco mais de 1°C, serve como amostra grátis do que está por vir. “Tempestades severas estão aumentando em todo o Brasil, mas também a seca. Tivemos essa seca histórica no Nordeste, de 2012 até 2017, que continua em algumas partes, e a seca no Sudeste em 2014 e 2015”, lembra Carlos Nobre.

“O impacto foi muito maior do que o de uma seca semelhante 50 anos atrás. O Sudeste já está 1,5°C mais quente. A evaporação é muito maior, assim como a perda de água no solo. É menos água no reservatório, na agricultura, no abastecimento humano”



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