ATITUDES E INTERESSES SOMBRIOS DO BRASIL NA ÁREA AMBIENTAL.

A maneira idiossincrática com que a regulação ambiental vem sendo tratada pelo atual governo revela a inépcia que o caracteriza em todos os setores. Mas em relação ao meio ambiente algumas questões afetas aos processos de regulação e desregulação chamam atenção.

O que se está assistindo, desde o ano passado, é um atropelamento dos processos que se dão nas arenas onde os grupos de interesse se encontram, e, na contenda, geram ações regulatórias que atendem em parte aos interessados.

A polarização gerada na eleição se apresentou na arena ambiental de forma clara. A ascensão da agenda do agronegócio, que já vinha há anos sendo de certa forma viabilizada em governos anteriores, tomou proporções inescrutáveis com o aparato burocrático a seu favor.

Os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente foram capturados por interesses claramente avessos à regulação dos setores que compõem a arena ambiental, e, em relação a eles, foram tomadas ações de fortalecimento e de desconstrução, respectivamente. Enquanto o Ministério da Agricultura teve suas prerrogativas aumentadas, o Ministério do Meio Ambiente foi sucateado.

Particularmente o Ibama foi atingido de forma certeira. Sendo um órgão partícipe da regulação ambiental, o sufocamento que experimenta é notório quando se vê a estratégia de sabotagem à fiscalização ambiental: a manutenção das operações com um corte de 31% nas verbas destinadas ao PNAPA (Plano Nacional de Proteção Anual) de 2020.

Além disso, os cargos de chefia, como as Superintendências Estaduais, foram preenchidos por pessoas sem expertise e externas ao órgão. Somado a isso, houve, ao longo dos anos, uma diminuição em 55% do número de fiscais: em 2009, eram 1.600; agora, são 720 para todo o território nacional.



A mordaça imposta aos trabalhadores responsáveis pela fiscalização ambiental tinha como objetivo ocultar o aparato autoritário espelhado nas primeiras medidas governamentais após a eleição. Nelas, ficava claro o projeto de sucateamento das instituições responsáveis pela aplicação dos dispositivos legais no setor do meio ambiente.

Em um ano, houve um aumento de 29,5% no desmatamento. Grande parte em áreas de proteção ambiental. Isso não é trivial. É a associação da violência burocrática operada na arena ambiental com a violação dos direitos daqueles que ocupam tradicionalmente áreas de proteção ambiental.

É a associação da violência burocrática operada na arena ambiental com a violação dos direitos daqueles que ocupam tradicionalmente áreas de proteção ambiental. Mais que isso: é, em uma escala global, como definia Keneth Boulding, a “cowboy economy”, em que a violência impera. Essa violência se materializou na morte de indígenas, quilombolas e agricultores familiares, e sintetiza as premissas da política ambiental brasileira no ano de 2019.

Na direção oposta ao sucateamento, à sabotagem e à desconstrução da já frágil política ambiental brasileira por meio da violência física e simbólica, está o fortalecimento de um grupo de interesse que opera em cadeia, e que, na disputa com a política ambiental, conseguiu capturar a burocracia setorial: o agronegócio.

Um exemplo marcante, que também tem conexões com a política ambiental, é a liberação dos pesticidas. A regulação dessas substâncias é o termômetro do desequilíbrio de recursos de poder entre a política agrícola e a política ambiental. Se a agroecologia, livre de pesticidas, fosse o foco da política agrícola, poderíamos pensar em um processo regulatório que tivesse mecanismos para que os interesses de grandes companhias graneleiras não se fizessem mais presentes do que os interesses da agroecologia e da agricultura familiar, que — a propósito — produz alimentos para o consumo ordinário do povo brasileiro.

Somente em 2019, o Ministério da Agricultura liberou o registro de 474 agrotóxicos, dos quais 94,5% são genéricos. Diferentemente dos remédios genéricos — que contêm um princípio ativo comercializado com outro nome —, no agrotóxico genérico, não há apenas um princípio ativo, mas um coquetel. Ali existe, além da substância destinada a matar insetos ou plantas, outros produtos químicos perigosos que não fizeram parte dos estudos para a liberação e que não são evidenciados como perigosos.

Órgãos cujo formato era colegiado tiveram seus conselhos extintos por decreto, ação que se enquadra em um repertório tradicional dos regimes autoritários.

No entanto, a resistência se faz necessária. Seja por parte dos indígenas, quilombolas e outros grupos tradicionais que veem seus direitos violados, seja por parte dos consumidores urbanos dos alimentos contaminados pelo uso de pesticidas em lavouras de culturas agroecológicas ilhadas em meio ao monocultivo de soja, cana-de açúcar, palma de óleo.

A resistência encontra seus caminhos na ação política e é nela que a sociedade necessita redesenhar as estratégias para realinhar a política ambiental na escala de prioridades do Brasil.


Comentários

  1. O aumento do desmatamento na Amazônia retrata o descaso do governo
    com o Meio Ambiente, por exemplo: em 2009, tinhamos 1.600 fiscais do
    IBAMA em todo território nacional, agora são apenas 720. A liberação de
    agrotóxicos, mais de 400 substâncias, sem o devido ensaio laboratorial
    sobre seus efeitos na saúde humana mostra como é a precária política
    ambiental que sempre é adotada no sentido do desmatamento para a
    expansão do agronegócio.

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