NA SURDINA , A MORTE DO PANTANAL SE REVELA EM CINZAS.

Em um poema, Carlos Drummond de Andrade descreveu o Pantanal como o amanhecer do primeiro dia da criação. Foi com essa imagem do paraíso primordial, ou da terra imaculada, que construí meu livro “Pantanal” (Edições Sesc SP). É uma celebração da natureza que também tem registros da catástrofe líquida e de outras ameaças ao bioma.

O Pantanal no início de dezembro de 2020, depois de passar pela mais violenta onda de incêndios de que se tem notícia, a visão de uma terra descolorida, sem vida, onde antes se ouvia a algazarra de papagaios e araras, o mergulhar pesado de jacarés e capivaras, a dança sutil das garças azuis. Choca  o silêncio, a ausência de "vida".

 A inundação do Taquari, no fim dos anos 1990, foi um dos maiores desastres ambientais do país. Fora do Pantanal, ninguém sabia ou se importava. 

Fui chamado para construir um depoimento visual, um alerta, um manifesto. Mas o Pantanal revelou outra mensagem: mais uma vez, queria mostrar-se incrivelmente belo, espetacularmente diferente das imagens já conhecidas.

Era como se eu ouvisse o seu desejo de não mostrar apenas a destruição, mas apresentar ao Brasil aquilo que estava se perdendo silenciosamente e que precisa sobreviver.

Em 2019, fiz fotos fortes, impressionantes, incluindo a do leito do rio Taquari que secou totalmente em seu curso médio em setembro daquele ano. A imagem da capa se impôs: uma linha de fogo de 30 km que avançava devastadora e imparável sobre os campos do Parque Estadual do Rio Negro (MS).

                      Saiba mais sobre o Pantanal nesse link.


O Pantanal queimava diante de brigadistas impotentes e pássaros atônitos que voavam em círculos sem se afastar da zona incendiada, incrédulos, sem rumo.

Mas jamais imaginávamos, nem eu nem os fazendeiros, cientistas ou ambientalistas que me apoiaram em seis anos de trabalho, que, em 2020, o Pantanal seria palco de uma hecatombe ambiental capaz de carbonizar fauna e flora de vastas porções do território.

O registro de um lento processo de degradação tornou-se um grito desesperado de socorro por uma das regiões mais belas e ricas em biodiversidade do planeta.

O retorno mais uma vez da região. Toda área que deveria estar alagada pelo rio Paraguai aos pés da Serra do Amolar está seca e seus capões de mato —ou cordilheiras— reduzidos a paus queimados. Antigas baías, espelhos d’água multiformes vitais e graciosos, estão secas como praias ou lamaçais enquanto bandos de tuiuiús e de garças chafurdam em desespero.

Uma região que deslumbrou visitantes, fotógrafos e poetas com incrível harmonia de água e mato, lagoas, corixos e rios tem hoje aparência totalmente desfigurada.

Diariamente, o vento levanta nuvens de fuligem e de pó ocre acinzentado, que, quando revira em redemoinho, traumatiza as crianças e preocupa as mães. No auge dos incêndios, o ar ficou irrespirável por ali, assustador.

É verdade que o Pantanal começa a se recuperar e o verde já rebrota porque houve alguma chuva em outubro.

O Pantanal tem resiliência ao fogo. Mas, desta vez, especialistas alertam que a extensão das queimadas eliminou, além da vegetação, um número exagerado de animais e que a vida levará muito tempo para se recompor de alguma forma.

Não se trata apenas de ação criminosa de alguns e de omissão ou falta de prevenção e combate ao fogo. Tudo isso apenas ajudou a catalisar um processo lento e aparentemente inexorável de aquecimento e seca na região, que reflete mudanças climáticas globaisO Pantanal é apenas uma região mais frágil e sensível a essas mudanças desencadeadas pelo Antropoceno (era geológica marcada pelos efeitos da ação humana).

Como disse o cacique norte-americano Seattle (1786-1866) em 1855: “Tudo o que fere a Terra fere também os filhos da Terra”.




Comentários

  1. O Pantanal tem resiliência ao fogo. Mas, desta vez, especialistas alertam que a extensão das queimadas eliminou, além da vegetação, um número exagerado de animais e que a vida levará muito tempo para se recompor .

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  2. É lamentável todo esse panorama de destruição.
    Espero que não seja irreversível!

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